Há alguns anos atrás um irmão de
clã me falou sobre certo problema de lógica. O contexto em que foi colocado era
interessante. Estávamos praticando artes marciais. O estudo específico era justamente
o de se identificar variáveis e inferir sob um contexto de poucos recursos de
medição. Como se fazer uma sondagem de forma completa, definindo com segurança
absoluta a decisão mais apropriada? Como gerir riscos com eficácia?
A
própria ciência possui métodos comprovados para lidar com estes tipos de
situação. Eu soube de um que explicava claramente a forma intuitiva com que eu
acabei resolvendo o problema proposto por meu irmão, através uma série famosa
de TV. Muitos que leem esta postagem conhecem e gostam muito de “House MD”. O
episódio específico a que me refiro é o terceiro da primeira temporada.
Chama-se “A navalha de Occam”.
O
que é a essa tal de “Navalha de Occam” (ou de Ockham)? Minha curiosidade na
época me levou ao Google, onde acabei descobrindo que este é o nome dado a um princípio lógico atribuído ao
um frade franciscano inglês chamado William de
Ockham (lá no século XIV). Este
princípio também é conhecido como “Lei da Parcimônia” ou “Lex Parcimoniae”. Para os que gostam de preciosismo latino: “entia non sunt multiplicanda praeter
necessitatem”. (Soa bonito, né?) A tradução da Wikipedia vai lhe dar a
frase: “se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno,
a mais simples é a melhor". Nas minhas palavras eu diria que as
variáveis de um problema não devem ser nada além daquelas implicadas na própria
situação específica.
Vamos
ao problema das dez bolinhas. Imagine uma balança de libra. Eu lhe dou dez
bolinhas idênticas a olho nu. Digo a você que uma delas possui massa diferente
das demais. Pode ser mais leve, ou mais pesada. Não é possível identificar com
as mãos. Provavelmente algum espertinho começou a pensar isso! Você somente
poderá usar a balança para três pesagens. Nenhuma a mais! Como você provaria
que é possível descobrir, com certeza absoluta, qual é a bolinha diferente e,
se ela é mais leve ou mais pesada? Eu
sugiro que você se divirta tentando resolver antes de ler minha explicação. Não
é nada de nível “Einstein”.
Mas se você só quer saber onde isso vai dar, esteja à vontade.
Ao contrário de
colocar cinco bolinhas de cada lado, gastar uma pesagem e se sentir um gênio,
você deveria considerar qual a probabilidade de, ao escolher uma bolinha
aleatoriamente do conjunto completo, você acertar justo na diferente. Não se
sinta mal se você pensou logo em colocar essas cinco bolas de cada lado. É
assim que se começa! Como diria o Thomas Edison: “começando por como não fazer”.
Você teria uma
chance em dez de acertar, caso decidisse escolher uma bolinha aleatoriamente. Isso
é o máximo improvável que a situação apresenta. A única certeza que você tem é
de que há certamente uma bolinha diferente. A palavra “certeza” é
importantíssima, por isso destaquei esta evidência. Você primeiro pensa em
dividir o conjunto em dois grupos de cinco, pois está estimulado pela pergunta.
Ela acaba te conduzindo “a se testar”: “Será que eu entendi mesmo a situação e
o que preciso fazer?”. Por isso, se você “gastar” a primeira pesagem com cinco
bolinhas de cada lado, você apenas provará que realmente há entre as dez
bolinhas uma de massa diferente. Você não sabia disso de antemão?
Onde a navalha do
frade corta nisso? Se das dez, você decidisse escolher duas aleatoriamente,
haveria 20% de chance de a bolinha diferente estar entre estas, certo? Levando
em conta este percentual, é evidente que você provavelmente errou ao “chutar”.
Se colocar duas bolinhas de cada lado, suas chances sobem para 40%, mas ainda
assim você provavelmente errou. A dica é: “como chutar, em condições mínimas para provavelmente acertar?”. Simples,
continue com a lógica: “da última vez foram duas bolas de cada lado, então, se
você colocar três em cada prato da balança, seu novo número será 60% de chance
de que a bola diferente esteja em um dos pratos da primeira pesagem!”. Isso
significa que, a partir daí, você provavelmente acertou. Segundo o princípio da
parcimônia, você só deve trabalhar com o mínimo necessário de variáveis sobre
determinada situação. Sua primeira pesagem deverá ser com três bolinhas em cada
prato, deixando outras quatro à parte.
A pergunta que pode
começar a vir é: “Por que não colocar quatro bolinhas de cada lado e mandar o
frade William de Occam rezar um terço?”. A resposta é simples: “porque você tem mais certeza do que necessita testar, logo está
desperdiçando medições para coisas que já poderia saber de antemão”. Como
assim? É bem provável mesmo que a bola diferente esteja provavelmente entre as
oito que estão no prato. São 80% de chance. O problema é que depois de
descobrir isso, você só terá duas pesagens e terá eliminado apenas duas bolas.
Seu próximo número será seis novamente de qualquer forma. Isso resulta em
eliminar quatro bolas com duas pesagens ao invés de uma apenas. Como assim, “eliminar
bolas”? Vamos seguir e ficará claro.
Sigamos a “Navalha de Occam” e nossa amostra
de seis bolinhas. Agora você pode começar pensar sobre como utilizar a balança.
Seu primeiro trabalho será adicionar estas seis bolinhas que separou sobre ela.
Elas ficarão dispostas três de cada lado da ferramenta. Neste momento é
importante que você visualize o cenário, pouco antes de fazer a primeira
experiência de pesagem. Você tem dois grupos de três bolas a ser usadas de
imediato e um grupo de quatro bolas deixadas à parte por enquanto. Como em todo
o problema de lógica, vou estabelecer nomes para os grupos e lados da balança. O
grupo 1 é composto pelas primeiras três bolas, que serão colocadas no prato
esquerdo da balança, grupo (1,2,3). O grupo 2 pelas próximas bolas (4,5,6), a
serem colocadas no prato direito da balança. Vou dividir as quatro últimas
bolas em dois conjuntos: um, composto pelas bolas (7, 8, 9); outro com apenas a
bolinha 10. Vamos a primeira pesagem:
O que pode acontecer? A balança pode
equilibrar, ou desequilibrar. É incerto, mas mais provável que desequilibre por
60% de chance. Supondo que aconteça o mais provável, você acabaria de eliminar
as bolinhas 7, 8, 9 e 10. Estas certamente têm massas idênticas. Sua bola
diferente entre uma das seis na balança. O quê fazer agora?
Você ainda têm duas pesagens e agora tem certeza
sobre as bolas de 7 a 10. Visualize a balança? Suponha que o lado esquerdo
esteja alto e o direto baixo. O grupo (1,2,3) está mais leve que o grupo (4,5,6)
, certo? Mas você não sabe se a bola diferente é mais leve ou mais pesada. Como
usar a segunda pesagem para descobrir tanto em qual desses dois grupos está a
bola diferente, quanto se ela é mais leve ou mais pesada? Responder a estas
perguntas é objetivo da segunda pesagem.
A dica é: “use uma certeza”. Pegue emprestado
o grupo (7,8,9) , que você já tem certeza que tem massas iguais e substitua por
qualquer um dos dois grupos na balança. Vou tomar como exemplo sempre prato
direito, para facilitar a visualização. Lembrando que ele está mais baixo desde
a primeira pesagem, ao substituir as bolinhas ali duas coisas podem acontecer
como efeito dessa segunda pesagem: “ou a balança permanece desequilibrada; ou
ela se equilibra”. Em ambas as possibilidades você já atinge seu objetivo nessa
pesagem.
Caso a balança se mantenha desequilibrada, as
bolinhas (4,5,6) têm a mesma massa das (7,8,9). Logo, a bolinha diferente está
entre 1, 2 ou 3. Além disso, lembre-se que o prato esquerdo está mais alto.
Isso determina definitivamente que a bolinha é mais leve.
Caso a balança se equilibre, as bolinhas
(1,2,3) e as (7,8,9) têm massas iguais. Logo, é exatamente este grupo (4,5,6)
que possuirá a bolinha de peso diferente. Como você sabe de antemão que o prato
direito estava mais baixo, é evidente que a bolinha diferente entre estas três
seria mais pesada.
Agora você tem três bolinhas nas mãos, dentre
as quais uma diferente, sobre a qual já descobriu se é mais leve ou mais
pesada. Você possui apenas uma pesagem agora. O que fazer? Primeiro as perguntas
certas. Qual destas três bolinhas é a diferente? Como usar a balança para
descobrir?
Você não vai colocar as três ao mesmo tempo
no aparelho. Isso é evidente. Se só pode colocar duas das três, faça-o com desapego,
enquanto segura a bola restante na mão. O que pode acontecer? Desequilibrar, ou
equilibrar, certo?
Se desequilibrar, a bolinha que você já
descobriu ser mais leve ou mais pesada estará no prato da balança, ou o que
subir, ou o que descer respectivamente. Se equilibrar, ela estará na sua mão. Você
resolveu o problema, mas ainda não saia na rua pelado gritando “eureca”! Você
será preso por atentado ao pudor.
Ainda falta ponderar para o caso de na
primeira pesagem os grupos (1,2,3) e (4,5,6) se equilibrarem. Ou seja, e se
acontecer o menos provável? Ou, simbolicamente, e se eu der azar? Se você olhar
de perto, verá que não deu azar nenhum? Você eliminou seis bolas, ao invés de
quatro apenas. Basta pegar o grupo (7,8,9) e fazer a substituição conforme o
plano de segunda pesagem. A bolinha diferente tem 75% de chance (3/4) de estar
no grupo (7,8,9) nessa pesagem. O que pode acontecer?
E se desequilibrar? – o mais provável:
Nesse
caso, a bolinha estará no grupo (7,8,9). Se o prato em que você colocou este
grupo subir, a bola diferente é mais leve. Caso contrário, se descer, ela é
mais pesada. Agora você caiu novamente na situação de ter uma pesagem e três
bolinhas, já sabendo sobre a massa dela em relação às demais. Basta repetir o
processo e alcançar a solução. “Posso
sair pelado gritando “eureca”?” NÃO! Já disse que vão te prender.
E se Equilibrar – a possibilidade menos
provável de todas desse problema:
Não se aflija. Isso significa que você
praticamente deu a mesma sorte que se escolhesse a bolinha entre as dez
aleatoriamente e acertasse. Como? Se (1,2,3) equilibra com (4,5,6) e, depois de
trocar um destes grupos com (7,8,9), equilibrou novamente, a bolinha diferente
é definitivamente a que sobrou. Além disso, você ainda tem uma pesagem. O que
fazer para descobrir se mais leve ou mais pesada? É bem simples. Basta pegar
uma das outras 9 e colocar na balança para fazer a última pesagem entre ela e a
sua. Se o prato da bola diferente subir, ela é mais leve. Se descer, é mais
pesada. Pode sair na rua gritando “eureca!”, mas vista uma roupa antes pelo
menos.
Qual o interesse de postar esse problema
tresloucado? Acho que muitas vezes nos deparamos com situações em que temos de
fazer análises das condicionantes de uma situação, temos poucos recursos para
medir ou calcular e somos obrigados a decidir de forma imprescindível e
inadiável. Essa lei da parcimônia sempre esteve por aí. Esse problema na
realidade não passa de uma ilustração sobre como conduzir as coisas. Por que um
frade franciscano se ocupou disso com tanto esmero? Será que era por que ele
não tinha mais o que fazer? Duvido!
Cesar Marco Aurélio, um grande estoico, não
falava de “Prudentia” como uma de suas virtudes cardinais? Os monges chineses
não transmitem o princípio da simplicidade através da vivência prática? O
Bushido da cultura japonesa não possui o “coração no caminho do meio” entre
suas sete virtudes? A diferença destes últimos para o frade é basicamente o
tipo de vida que estes levaram em relação àquele. Enquanto o frade era um
religioso e estudioso, os outros vivenciavam longos períodos de guerra, morte e
caos na prática. Entretanto, será que um frade não está preocupado com guerra,
morte e caos na vida das pessoas? Será que esse caos não poderia estar dentro
de cada um e acabar por vir causando o que está fora, apenas por uma devida
falta de parcimônia?
4 comentários:
Tenho um ideia melhor,pegar todas elas,e soltar sobre sua linda cabeça,e a que vc quicar mais alta será a mais pesada.kkkkkkkkkkk,,,Cristiano Reis, o Satirus.....
Definitivamente!!!
Obrigado!
HAHAHA!!!
Oi Carlos, que bom encontrar contribuições como a sua na internet.
Mesmo que eu não consiga, como os monges chineses, transmitir o princípio da simplicidade através da vivência prática, ficarei feliz se meus alunos puderem ler sua contribuição sobre o princípio da parcimônia e refletir sobre o desafio de ser professor de matemática.
Muito obrigada!
Regina Celia
Não tenho palavras para expressar o quanto me sinto honrado com seu comentário, Regina Celia. A proposta do blog "Casa dos Reis" é justamente buscar oferecer este tipo de contribuição. Apesar do título potencialmente pretencioso, este é um espaço em que há apenas paixão por pensamentos e ideias, enquanto praticamente nenhuma autoridade formal de conhecimento. Por esta razão, seu retorno sobre esta postagem confere valor imensurável sobre as linhas escritas e me motiva a fazer mais e melhor. Esteja sempre à vontade para usar como desejar qualquer conteúdo disponível aqui. Sinta-se em casa!
Muito obrigado!
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