Eu
aprecio utilizar mitos, símbolos, ou arquétipos, para quem entende disso, como
uma tentativa de dar formas a coisas que só poderiam ser percebidas a posteriori. A concepção de um “demiurgo”,
criador do tudo e do nada não é um pensamento absoluto. Há culturas que sequer
conceberam uma ideia a priori de um mundo transcendental. Esse lado
ocidental greco-romano-monoteísta tem
muito costume de achar que o universo a nossa volta se repete indefinidamente,
como se todos pensassem e vissem o tudo da mesma forma. Não lembro muito bem,
mas acho que isso tem até um nome conhecido como Etnocentrismo. Li em um livro
de um filósofo e sinólogo francês o termo “clivagem” sendo usado para definir
um efeito de “gravar alguma coisa no sistema ideológico de uma cultura inteira,
de forma que não se possa escapar”.
Falo, então,
sobre “Fé”: A ideia dessa coisa se fundamenta numa não comprovação, numa incerteza. Usando termos de nossa cultura
geral brazuca ocidental, o que dizer
de um homem que hipoteticamente “tivesse visto Deus”? Será que ele poderia ter
fé? Não seria mais coerente dizer que ele teria certeza? Arrisco dizer que pensar,
perceber, organizar as ideias, intuir, inferir sobre isso pode levar a um lugar
muito estranho.
Penso no “Rótulo”
de Ateu: Em que de fato não se acredita para se poder ser identificado como um?
Muitos devem cair na armadilha de responder que “Ateus são aqueles não têm fé
em qualquer Deus”. Pergunto então, mas e o rapaz ali que “viu Deus”? Ele
necessariamente não teria de ser Ateu? Afinal, ele não pode ter fé, pois a “certeza”
tomou o lugar desta. Por que um milagre deve contrariar as leis naturais, se
estas condicionam nossa própria existência? Por que se assume que para quem faz
uma prece haverá uma intervenção divina que fará com que um evento improvável e
para ele vantajoso aconteça?
Uma vez
conversei com um seminarista da igreja católica, em uma espécie de curso que se
oferece para as pessoas que virão a ser padrinhos e madrinhas de crianças. Ele
contou uma passagem da Bíblia sobre uma pregação de Cristo sobre uma arvore que
não dava frutos nos tempos de estiagem. Segundo o seminarista, o próprio mito
personificado dizia que a árvore deveria produzir frutos em quaisquer
condições, senão perderia sua razão de ser. O fim da passagem se dá com a
árvore secando em três dias após a pregação. O texto em si é neutro, mas a
inferência do seminarista foi de que “o próprio cristo fez a árvore secar”!
Ele disse isso
a um grupo de pessoas que em sua maioria daria fé ao que ele disse. Achei um
absurdo, uma incoerência, um desserviço, uma grande besteira! Ao final, em particular,
fui até ele questioná-lo: “Você realmente acha coerente que uma divindade
interviria no curso dos acontecimentos somente para provar um ponto”? “Você
percebeu que você acabou de dizer a estas pessoas que o próprio Jesus Cristo
decidiu usar seus milagres para matar uma árvore?” “Honestamente, se eu
estivesse do lado desse senhor que você coloca tanta fé e ele fizesse isso na
minha frente, eu diria a ele que por mais que ele fosse real ali, ele não
mereceria a minha fé.” “Esse Cristo que você pregou para estas pessoas não
merece existir”. “Acho sinceramente que ele somente estava ciente de que a
árvore secaria de qualquer forma, lendo os sinais desta”. “Ele queria apenas
transmitir algum valor aos seus discípulos, utilizando a própria realidade como
ilustração.”
Então não
houve milagre? Eu diria não e sim. 1) Não, pois não houve intervenção que
provocasse mudanças de formas sobrenaturais. 2) Sim, pois o próprio processo de
transformação evidente que se dá com tudo a nossa volta poderia ser chamado de
milagre.
Se você fosse
onipotente, onisciente e onipresente, parando para pensar um pouco, você veria
todos os cursos possíveis da realidade em todos os tempos. Você não precisaria
intervir mais do que uma vez para criar todo um processo de realidade. De fato,
não seria uma intervenção. Seria apenas o próprio ato de criação. A criatura
viverá por si só depois disso. “Mas então Deus nos abandonou?” Perguntariam os
crentes. Eu perguntaria de volta: “o que você espera do seu Deus?”.
Nós nascemos gritando,
berrando com a dor lancinante de pulmões descolando e enchendo de ar, um frio
absurdo e um incômodo terrível com uma luz extremamente brilhante. Nosso choro
incomoda e mobiliza um bando de gente. Esse recurso serve para trazer coisas
que sentimos desejo. Fome? Choro e vem peito. Frio? Choro, vem roupa e colo.
Por aí vai. Porém, de uma hora para outra, o choro passa a não funcionar, mas a
gente sempre tem o instinto de querer continuar o usando.
Em minha
opinião, os verdadeiros Ateus são os que oram como bebês que sentem falta da
mamadeira; são os que oram pedindo a um mito para que lhes realize um desejo
próprio. Minha posição aqui é tão ferrenha que estou contra até mesmo àqueles
que têm justificativa moral, como por exemplo, uma mãe que roga para que seu
filho não morra de uma doença grave. Por mais duro que eu possa parecer aqui, o
que estou dizendo é que aquele é o desejo só da mãe naquela prece. Para que
servem as orações, então, se eu digo que não se pode rezar por um desejo
próprio, mesmo um altamente justificável?
Agora farei o
uso de mitos para explicar o que penso! Acredito que há uma coisa divina de
fato em cada ser humano. É algo real, simples e evidente. O que vou dizer, se
quem estiver lendo achar coerente, estará praticamente se colocando na posição
de “ter visto Deus” e por isso não poder ter fé, apenas certeza. A parte divina
do ser humano seria a “capacidade de pensar sobre si mesmo, ou sobre o próprio
pensamento.” Em outras palavras, é a capacidade de estar consciente de si mesmo.
A prece, então, como rito de valor real, em minha opinião, deveria ser feita
apenas para se assumir a atitude coerente perante os próprios desejos. Ela
cumpriria o papel de fazer com que as emoções e pensamentos se encadeassem. Ela
proporia a forma de seus mitos ao conteúdo disperso daquilo que chamamos de “nossa
alma humana”. Em outras palavras, a prece nos colocaria em posição de pensar
sobre quem somos perante uma situação, sobre nossos desejos e sobre o papel que
precisamos assumir perante estes.
Minha posição,
para os entendidos, deve estar caindo numa coisa estoica. Minhas palavras não
pretendem provar nada. Sei bem que este tema é polêmico demais para debates
profundos. Sempre ouço se dizer que o ser humano necessita acreditar em alguma
coisa. Que acredite então! Mitos, no sentido divino da coisa, são
essencialmente imortais. Entretanto, assim como que pela mente e cultura humanas
são criados, serão da mesma forma esquecidos. Se eles são sujeitos, com
consciência, como nós, esse certamente será sempre um temor para eles.
Eu
particularmente não tenho fé em nenhum. Eu apenas os imagino, os comunico, os
uso como partes da minha própria consciência. Sendo parte de mim, parte do que
estou consciente, eles necessariamente são reais para mim. Anjos, Deuses, magia
e milagres existem de fato, mas apenas em meu coração e em minha mente. Eles
são apenas aquilo que dá forma a meu espírito.
3 comentários:
Pense em evolução e compare com uma escadareflita em individuo unico e não todos como um.Depois reflita em poder e manipular. E pense em ritos e passagens e some a folclore. Mas pense que cada ser humano tem seu tempo,seu mito e sua evolução. Depois disto tudo me responda:quem criou a monogamia? Porque Maria deu a luz a um menino, e porque ela era virgem? Porque o azul deve ser chamado de azul? Porque Madalena era uma PUTA(maravilha adoro ser PUTO,tive que falar)? E por fim porque existe o porque? Vc consegue ou tem a capacidade de me responder? Crstiano Reis ,o e sempre um discipulo de Pã, o Satirus
Este assunto é polêmico demais. Minha crítica é direcionada "ao mal que qualquer religioso pode causar a si mesmo e ao mundo quando a balança desequilibra demais para o "orai" em detrimento do "vigiai".
Utilizei uma ilustração baseada em cultura cristã, pois em nosso país esta é definitivamente a predominante.
Respeito todas as pessoas e suas crenças. Acho que a fé religiosa "pode" cumprir um papel importante tanto individualmente para o fiel, quanto socialmente. Entretanto, faço destaque para a palavra "pode":
- Há alguém que nos lê aqui que aprova a conduta "terrorista fundamentalista"?
Nos nossos tempos é uma minoria, fiel à doutrina islãmica por um mero acaso histórico, que serve de exemplo deste extremismo desumano. A maioria praticamente absoluta dos muçulmanos fiéis são pessoas extremamante humanas, éticas e nobres. A própria Igreja Católica Apostólica Romana já foi integralmente adepta de intervenção em política para doutrinar fundamentalismo. Arrisco dizer que todos que nos lêem já ouviram falar das cruzadas e da inquisição ao menos.
Hoje a igreja católica superou esse viés. O islã não possui uma organização como a da Igreja, por isso, não há como vermos mobilizações como de cruzadas. Porém, temos a "jihad" em forma de gurrilha e terrorismo.
Nem toda guerra é armada. Aliás, a maioria delas não é e não se parece com uma. Quem tiver a curiosidades de pesquisar por "Jihad" notará que a vertente dominante islãmica entende este termo do Alcorão como a luta, mediante vontade pessoal, de se buscar e conquistar a fé perfeita. Esta "luta" encontra paralelos em "todas" as religiões, todas as doutrinas éticas, filosofia e culturas. Entretanto, não sou eu, ainda mais com um mero comentário que vou esclarecer isso definitivamente.
Eu gosto muito de uma música de um álbum do Angra, todo feito sob a temática da experiência de vida de um cavalheiro cruzado conhecido como o "Caçador das Sombras". Ele vive os horrores da guerra de que participa e percebe que há algo errado na "causa" em que acreditava. Esta canção em específico tem o nome de "Redenção Tardia" e conta com a participação de Milton Nascimento.
http://lc4.in/0GXm
Citando as palavras de uma pessoa que eu respeito muito:
Quem usa a estratégia em benefício próprio é manipulador.
Quem usa a estratégia em benefício de seu país é um estrategista.
Quem a usa em prol da humanidade é um sábio.
http://migre.me/8TPjo
Link correto para "Late Redeption" (Angra - Temple of Shadows)
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