terça-feira, 29 de maio de 2012
A consciência indiferenciada
Metade de meu espírito é caos,
Quem preenche o espaço
de uma outra metade,
que perdi quando infante
Sem ele, estaria morto
Com ele, sou menos estável, concreto,
Porém, imensuravelmente mais poderoso.
Depois de alguns anos aprendi
Que quanto mais a alma se torna caótica
Mais tristemente sã a mente humana fica...
E isso é bem ruim.
O preço é a perda da relevãncia.
Tudo se esvai, o momento se perde
A vida se esquece.
A beleza perece.
Poucos entretêm,
Muitos entediam,
Entre mil, não estarei entre iguais.
Por isso, sempre solitário, distante.
O caos me torna tenaz,
É o poder de criação!
A essência da realidade!
Eu não posso controlá-la,
Mas posso me permitir
Fazer parte dela,
Como se não mais eu fosse
Um idivíduo, e sim o todo,
Conscientemente indiferenciado,
Essência implacavelmente pura
tanto da morte, quanto dos sonhos.
(Siegfried Theobald Shore)
quinta-feira, 10 de maio de 2012
"The Avengers Initiative" - O que os super-heróis teriam a ver com a paixão?
Por que os super-heróis fascinam tantas pessoas? Seria pelo poder sobre-humano e liberdades consequentes, ou pela chance de fazer a diferença para o mundo e respectiva glória. Quando alguém senta na poltrona do cinema para assistir a “Os Vingadores” da Marvel Studios, o que realmente lhe entretém?
O que instiga
mais em um filme são as perguntas que este mesmo leva o espectador a se fazer.
Quando há um herói explícito, como no exemplo dado, a primeira pergunta que vem
em mente, às vezes sem que se perceba, é “o que eu, quem assiste, faria nessas
situações apresentadas se fosse esse super-herói?.” O que você faria se fosse o
“semideus Thor”; ou o “supersoldado ressuscitado Steave Rogers”; ou o “gênio, bilionário,
playboy, filantropo Tony Stark”; ou o
“amaldiçoado Dr. Bruce Banner”?
O universo dos
heróis instiga muito pelos dilemas que advém do confronto entre poder e
responsabilidade. Se você fosse um super-herói, seus problemas atuais não
existiriam. Essas dúvidas e conflitos que lhe são difíceis e, ao mesmo tempo,
lhe fazem sentir-se mundano, irrelevante, ou até mesmo até egoísta, seriam
desprezíveis. Os supervilões que ameaçam o mundo inteiro seriam seu problema
prioritário, pois proteger a humanidade estaria acima de você mesmo. Seus conflitos
pessoais internos e interpessoais teriam uma desculpa perfeita para serem
deixados em segundo plano. Você pode fugir dos seus problemas sem receio de
parecer fraco.
Este é o outro
lado da história dos super-heróis. Os verdadeiros personagens dessa trama dos “Vingadores”
não se confundem com seus “alter-egos”. O personagem do filme não é o “Hulk”, mas
Dr. Bruce Banner. Não é o “Homem-de-ferro”, mas Tony Stark. Não é o “Capitão
América”, mas Steave Rogers. Não é “Thor” o semideus, mas “Thor” primogênito de
uma família tradicional, tendo um irmão caçula desajustado. A história não é
sobre como os “supers” brigam e produzem cenas antológicas de efeitos
especiais, mas sobre como os humanos por trás deles são seres com problemas
mundanos a resolver. O detalhe mais importante é que a própria situação
problemática a ser resolvida pelo filme só existe porque o irmão mais novo do
semideus resolve “aprontar uma travessura”. Para quem não é familiarizado com
histórias em quadrinhos, filmes de super-heróis ou mitologia nórdica, “Loki” é
o próprio Deus nórdico da travessura. Ele é tanto o vilão que fez com que os “Vingadores”
acontecessem, quanto o animado e querido “Maskara”, interpretado por Jim Carrey
em 1994.
http://www.impactonline.co/features/727-avenge-this-tom-hiddleston-and-mark-ruffalo |
A questão que
fica é “você desejaria ser um super-herói?”. Mais especificamente: “sendo lhe
dada essa opção, você escolheria se tornar um?”. Por quê? A depender de sua
resposta, se lhe fosse dada a opção, é bem provável que você se tornasse “super”,
mas algo bem distante de um herói.
“Herói é uma figura arquetípica que reúne em
si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado
problema de dimensão épica. Do grego ‘hrvV, pelo latim heros, o termo herói
designa originalmente o protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Para
os Gregos, o herói situa-se na posição intermédia entre os deuses e os homens,
sendo, em geral filho de um deus e uma mortal, ou vice-versa. Portanto, o herói
tem dimensão semidivina. Variando consoante as épocas, as correntes
estético-literárias, os gêneros e subgêneros, o herói é marcado por uma projeção
ambígua: por um lado, representa a condição humana, na sua complexidade
psicológica, social e ética; por outro, transcende a mesma condição, na medida
em que representa facetas e virtudes que o homem comum não consegue mas
gostaria de atingir – fé, coragem, força de vontade, determinação, paciência,
etc. O heroísmo que resulta em
autossacrifício chama-se martírio.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%B3i)
O mártir é o
herói que morre para que o problema seja resolvido. No filme “Os Vingadores” há
um desses, mas que não se deixem “spoilers”.
Só uma dica, ele não é um dos principais. Ser herói significa sofrer, arriscar-se
até o limite de se tornar o mártir. Quanto mais perto do autossacrifício, mais
se é heroico. Então, se superpoderes lhe fazem fugir dos seus próprios
problemas, ao invés de enfrentá-los, tomar decisões, errar bastante antes de
acertar, sofrer as consequências dos erros e até dos acertos, o quanto eles não
lhe distanciariam de fato do heroísmo original?
O “Drama e tragédia” são invenções gregas. Originalmente o primeiro significava
apenas “ação”, num sentido próximo de representação teatral. O segundo seria
uma forma específica desse “Drama” em
que o personagem principal, leia-se “o herói”, lida com um conflito com algo
que está acima de si mesmo, leia-se “o mundo ou a humanidade”. Essas palavras
hoje ganharam muitas conotações diferentes. O interesse de expor estas raízes
etimológicas está em demonstrar como o pensamento de todo o mundo atual,
principalmente no lado ocidental, foi influenciado por esses conceitos.
O sofrimento
do herói é inalienável. Um indivíduo tem a opção de deixá-lo, mas se o fizer
perde a condição sine qua non para
ser “herói”. Em outras palavras, uma pessoa precisa aceitar a paixão, o
sofrimento, para agir com heroísmo. Tudo que se sofre tem origens em “desejos”
que não podem ser atendidos ao menos de imediato. Conforme a postagem antiga
deste blog “O
abismo entre a sede e o copo d’água”, o desejo decorre de um vazio
interior, esse sujeito que demanda aquilo que um, ou “o”, objeto de desejo pode suprir.
Este vazio teria o nome de “necessidade”. A questão do “querer” é sempre a mais
relevante, pois nela encontra-se a faculdade, o poder de escolha, sobre o
objeto de desejo. Ora, se só existir um objeto de desejo possível, como dar nome à esse tipo de necessidade? O termo mais propício seria "paixão", pois não se pode querer outro objeto em seu lugar, ou abdicar dele de vez, sem perder ou a vida, ou a própria noção de quem se é. Neste ponto é que “paixão” e “herói”
caminham juntos. Isto, pelo menos nesta lógica no mínimo pretensiosa, mas
autenticamente oferecida para entreter antes de informar, estando longe de pretender ensinar
alguma coisa. As perguntas são mais importantes que as respostas, como Confúcio
diria.
Quando você
tem uma paixão, você sabe o que quer. No momento em que você nasceu, seus
pulmões estavam colados. A taxa de oxigenação do seu sangue caia a cada segundo
e o que eram nove meses de conforto e relaxamento dentro de uma bolsa de água
morna tornou-se um momento de absoluta agonia. A reação natural para a qual o
seu corpo foi programado por instinto para o instante em que você entra no
desespero da hipoxia é um espasmo severo do seu músculo diafragma. Você então
inspirou o ar agressivamente para os seus dois pacotes de alvéolos grudados.
Entre o sofrimento agonizante do sufocamento e a dor incomensurável de carne descolando
de carne dentro do seu próprio peito, seu instinto lhe fez escolher sentir doer...
E muito!!! O ar, este com que você nunca houvera tido contato até então, este
que lhe fez sentir frio assim que deixou o corpo de sua mãe, passou a ser em
menos de vinte segundos do seu nascimento o seu objeto de desejo imprescindível.
Para este não há alternativas ou abstenções. Você o quer mais que tudo! Eis a
sua primeira e verdadeira paixão.
Será que todos nós não somos, desde que
nascemos, heróis?
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Entre os Anjos e os Tolos, o Poeta.
Se há indivíduos que são como Anjos no mundo, estes são os bons artistas. Eles disparam sua influência no ar, com pouco ou nenhum retorno. Não se dão conta do efeito que se desdobrará em cada pessoa de sua audiência. Eles tocam, mexem, comovem, iludem e entretêm, sem interferir nas individualidades diretamente por hipótese ou opinião, sem projetar nada sob a influência de seus desejos ou pressupostos. Eles apenas se entregam à mais pura expressão de sua arte autenticamente.
Eu não me considero artista. Por vezes, recebi a honrosa alcunha de "poeta", dada por bons amigos com quem tive o privilégio de conviver. Afirmo inexoravelmente então que não sou, não posso ser, não me considero um desses também, consequentmente. Para mim, estes são os sujeitos mais puros da Arte por excelência, pois têm para usar como meio de expressão apenas o mais pobre dos recursos. "O Poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente" - nas palavras de Fernando Pessoa, esse sim, um deles.
E sou apenas mais alguém que vive entre o "ser tolo" e o "fazer-se de tolo", compreendendo que a diferença entre ambos seja apenas um puro e legítimo "propósito". Só não cesso de me questionar por qual nome deveria ser chamado "um tolo com um propósito"...
quarta-feira, 2 de maio de 2012
"Lembrai-vos da Guerra" - (Poema do Cadete Ex Affonso Cláudio Figueiredo)
Imensa formação de
brancas cruzes,
Desfile mortuário de
fantasmas,
Exótico mercado de
miasmas,
Exposição de ossadas
e de urzes...
Calado e mudo
queda-se o canhão,
Apenas trevas cobrem
a amplidão,
Que outrora foi um
campo de batalha...
Calada e muda
queda-se a metralha.
É morta na garganta a
voz do obus,
O sabre traiçoeiro
não reluz
Dilacerando,
ensanguentando a terra...
A paz voltou, é
terminada a guerra.
Os heróis tombaram
das alturas,
Os covardes e os
bravos olvidados,
Seus feitos aos
livros relegados,
Nada mais resta,
apenas sepulturas.
E eu? Quem sou?
Perguntam eu quem
sou?
Pois bem, eu lhes
direi: sou um soldado,
Igual a qualquer
outro que avançou, combateu, foi derrubado.
Cruzes iguais...
Terrivelmente
iguais...
Exército que cresce
mais e mais,
No festim diabólico
da morte.
Aqui jaz o covarde.
Ali o forte.
Aqui dorme um
estranho. Ali estou eu...
Mas ninguém sabe como
ele morreu...
Não se lembram do
campo de batalha,
Nunca ouviram o riso
da metralha...
Não sentiram tremer o
corpo inteiro
Ante o rugido brutal
de um morteiro...
Não viram a cor dos
olhos do inimigo.
Não sentiram o medo
do perigo,
Que vos faz desejar a
morte breve.
Nunca sonharam.
Nunca, nem de leve.
Mas... Nem todos se
esqueceram do soldado
Que está longe, bem
longe sepultado...
Mamãe, minha boa mãe,
se tu soubesses
Que tua imagem
adornei com flores,
Que tuas flores foram
minhas preces,
Preces colhidas no
jardim das dores...
Minha querida mãe, se
te contasse
O medo que senti sem
teu carinho,
Um medo horrível de
morrer sozinho.
Medo mesmo que o medo
me matasse...
Mas deixei meu abrigo
e avancei
Julgando ver a morte
a cada passo
Ao ouvir o sibilar de
um estilhaço...
Parei... Pensei em
ti... Continuei...
Minha querida mãe se
te dissesse
Que quando
derrubou-me uma granada
Atirando-me na terra
enlameada,
Foi por ti que chamei
desesperado.
Por um momento deixei
de ser soldado
E fui novamente uma
criança
Sentindo na morte a
esperança
De ainda adormecer no
teu regaço.
Mamãe. Matou-me um
estilhaço...
Minha querida noiva,
por que choras?
Relembras por certo
as boas horas
Que passamos juntos.
Só nós dois...
Íamos casar.
Lembra-te?
E depois... E depois
uma casa retirada.
Cortinas nas janelas
enfeitadas,
Tu me esperando... eu
vindo do quartel...
A nossa casa um
pequenino céu,
Aberto a vinda de um
herdeiro...
Meu sonho, meu sonho
derradeiro,
Foi de beijar-te
antes de morrer.
Mas ao golpe frio da
granada,
Beijei apenas a terra
ensangüentada.
Mamãe, minha noiva,
aqui se encerra
Uma história de
sangue, esta é a Guerra.
Não chorem. Tudo é
terminado
Rápido como coisa de
soldado...
Mas mamãe...
Se novamente a pobre
humanidade
Mais uma vez em busca
da verdade
Rufar seus tambores
sobre a Terra
Anunciando mais
sangue e outra guerra,
Se outro filho a
Pátria te exigir,
Sem lágrimas mamãe,
deixe-o ir...
Embora te destrua o
coração,
Ainda que te alquebre
a agonia
Por favor mamãe,
Peça a esse irmão,
Para que seja também
de
INFANTARIA !!!!
terça-feira, 1 de maio de 2012
O que paixão e sanidade podem ter a ver com vida e morte?
Eu morava em uma caverna
esculpida em numa rocha com saída direta para o oceano. Da varanda dos fundos
era possível mergulhar ao mar e subir novamente. Rios desaguavam neste tanto
pelo lado esquerdo da residência, quanto pelo direito. Internamente, o ambiente
era iluminado como o de uma casa comum. Havia várias janelas. Os cômodos eram
perfeitamente alinhados e retangulares.
Somente ao
acordar depois na realidade que me dei conta de como era impossível esse tipo
de imóvel existir. A maré engoliria a casa com ondas batendo na porta dos
fundos, inevitavelmente chegando até a porta da frente. Porém, como aquele era
o mundo dos meus sonhos, o oceano era só meu e se comportava de forma bastante
peculiar.
Eu estive em
um dos cômodos conversando com meu primo e meu irmão. Estávamos os três sentados
ao chão de tacos envernizados, como fazíamos enquanto crianças na casa de uma
avó hoje já falecida. O assunto era ameno, histórias que eu ouvia meu primo
contar enquanto minha mente estava distraída, desejando olhar pela janela o rio
maior que desaguava forte correnteza no mar. Esta janela ficava à esquerda de
quem encarasse o oceano. Quando meu irmão fez uma pergunta, desviando a atenção
de meu primo, eu me levantei e fui até esta janela. Senti muita vontade de
mergulhar na água ali, mas desisti da ideia. Passou pela minha cabeça que a
água estaria “suja”, por ser do grande rio vindo da cidade, e que a corrente
seria perigosa por ser o ponto de deságue no mar.
Fui, então,
até a varanda da parte de trás da casa. A saída do rio à direita era realmente
vinda de uma caverna e passava exatamente ao lado, quase ao nível do chão de rocha.
A correnteza era forte, mas não chegando a ser turbulenta. Minha vontade de
entrar na água era imensa. Desci sem mergulhar pela frente da varanda e senti a
água me envolver da forma agradável que eu desejava.
Fiquei poucos
instantes aproveitando. A correnteza começara a me puxar suavemente, tendendo a
me levar cada vez mais para frente da saída do rio da caverna. Dei dois
impulsos fortes e me segurei em um vinco da própria rocha da varanda. Era uma
pedra lisa, difícil de segurar. Puxei meu corpo e consegui com dificuldade me
encostar à rocha, mas ainda sentia a correnteza querendo me levar embora. Olhei
então para trás vi a paisagem da costa, por onde provavelmente flutuaria à
deriva se me soltasse. Era uma imagem que marquei no mundo real da vista da
costa da Ilha Grande no Rio de Janeiro, observada do canto esquerdo da praia de
Lopes Mendes, ou do mar, em frente ao vilarejo de Dois Rios. Naquela direção
ficariam a Praia de Santo Antônio e, em seguida, Caxadaço, Parnaioca e
Aventureiro. Não era possível ver estes lugares, mas apenas o relevo montanhoso
com sua forma inigualável, e saber o que ficava lá.
Depois de
lutar para ficar agarrado à rocha e para conseguir subir de volta à varanda, eu
despertei aqui na Freguesia de sempre, madrugada no mundo real, com a impressão
segura de que aquilo que eu lutava contra seria na realidade a minha própria vontade
de deixar a corrente me levar embora.
Já vivi
situações em que estive nadando em correntezas difíceis de sair, sem metáforas.
De todas elas saí nadando. Em todas quase morri afogado. Em apenas uma delas
entrei por acidente, nas demais para tirar algum imbecil se afogando da água.
Estar em uma correnteza sendo levado é uma sensação aterrorizante. É uma luta
contra o desespero estimulado por ver a costa se afastando e contra a vontade
que isso gera de acabar com as próprias energias nadando contra a corrente.
Desesperar-se e exaurir-se são as receitas infalíveis para a morte. Se eu não
morri, já que neste parágrafo não relato mais sonhos, é por que nadei na
direção certa.
O mais
interessante é que em todos esses casos reais não houve glória. Se você se
imagina salvando alguém de se afogar, muitas vezes se vê como herói, com
pessoas te aplaudindo, o imbecil que se afogava te agradecendo... Nunca vi
isso. Todas as vezes que tive de agir para evitar com que um mané desses se
afogasse, foi porque era em um horário e lugar que não havia ninguém mais para
ajudar. Era eu ou Iemanjá que puxaria o grande babaca, para terra ou para o
fundo! Pessoas se afogando são engraçadas. Elas deliram como se acreditassem
que já morreram. Dá vontade de bater nelas. É irônico ao ponto de eu pensar se
elas não estão tentando “chorar no próprio enterro”. Deixa isso pros vivos. Se
a morte te sorri, dê-lhe uma gargalhada na cara de volta.
Uma vez você
larga a carga na areia e chama alguém do posto salva vidas mais próximo. O “bundão”
nem sabe que você existe. Outras, você nada até uma menina, conversa com ela, distrai,
oferece a prancha para ela descansar e nada empurrando um corpo da vala para o
banco de areia. Ela não te agradece: “pede desculpas”, pois você alertara a ela
e ela deu de ombros.
A pior das
vezes é a de você estar com amigos no fim da tarde na praia, um deles, imbecil
claro, não sabe nadar direito e cai na mesma situação da menina. Entre sete
pessoas, um apenas tem uma prancha de bodyboard
e um par daqueles pés de pato específicos para a prática. O que acaba
acontecendo é que os pés-de-pato ficam um pé com um, outro com o outro. A prancha, com o dono. Você, sem nada em princípio. Quando o idiota cai na vala, ele
é um dos que está com um dos pés-de-pato. O da prancha está na areia. Por
sorte – ou azar – o outro cara com o outro pé enjoa de brincar na água e lhe
passa o seu. Você já alertara o idiota que já está na vala e ainda não percebeu
para voltar várias vezes, mas você é um chato, claro!
Quando você
termina de calçar o pé-de-pato, o imbecil te chama: “Pô, me dá uma ajuda aqui!
Tá foda! Não to conseguindo voltar!” – Um pedido de socorro cheio de vergonha.
Filho da ... mãe! Lá vai você entrar na
vala, uma correnteza do “car....!!!”, para do lado do cara e começa a
conversar, estudando a situação e explicando o que teríam de fazer. Logo você
nota que o cara tá morto de cansado e precisa decidir falar para ele ficar
quieto, boiando se puder. Você acena para a areia para o outro entrar com a
prancha. Demora um pouco para que te entenda, mas depois de um tempo ele chega.
O quase afogado sobe na prancha para ir dividindo esforço com o que veio. O
tamanho do pé-de-pato que está com você é menor do que seu pé. Você já o usou o
suficiente para ficar com câimbras na panturrilha respectiva, além disso, julga
que esses dois terão melhores chances de sair se estiverem com mais um
pé-de-pato. Com uma prancha é bem mais tranquilo nadar para o banco de areia.
Logo você os vê saindo a pé da água. Quem ficou na vala?
Parece um
problema de matemática, mas é uma situação crítica: “Sem pé-de-pato, na vala,
sem perna direita por causa de câimbra”. Imagine-se dando braçadas em um ângulo
inclinado para fora da costa, tentando aproveitar a correnteza, dando olhadas
para a areia para ver se alguém te nota, pensando em pedir socorro para si
mesmo. Depois de vários minutos, já fora da arrebentação, você vê os seis
pontinhos distantes “jogando bola” com chinelos enquanto você luta com a morte!
Quando você se dá conta de que não tem ninguém mais prestando atenção em você,
que não há outra opção senão lutar para continuar respirando, você fica
perfeitamente focado. No mar, ali, você decide e conclui que se não se
desesperar, pode ficar horas dando braçadas e, se quiser, pode boiar até morrer
de hipotermia. Só o desespero poderia te matar afogado mesmo. Nesse processo,
você chega a um ponto onde consegue entrar em uma bela onda pega desde a base,
fora da arrebentação. Cruza uma bela distância com ela até sentir seus pés
tocarem o chão do banco de areia. A câimbra paralisa de vêz sua perna direita,
mas você manca até a praia feliz.
Ao chegar,
você se joga na areia perto de onde os amigos jogam bola. O
imbecil que te fez passar pela experiência toda ainda pergunta: “tá na de fora?”.
Você gentilmente murmura, com a cara na areia, os braços latejando: “não,
valeu!”.
Como não é irônico
sonhar com “a vontade de deixar o mar me levar”, por mais que tenha a ver na
verdade como se deixar levar “pelas emoções”, “paixões” e “beleza” na verdade.
Eu realmente amo o oceano! Não o temo, mas o respeito, pois sei que ele
infinitamente maior do que eu. Quase morri e vi morrer mais de uma vez nele,
sem metáforas. Paixões não matam. Deixam apenas a sanidade comprometida por alguns
instantes, o suficiente para que você queira lutar contra a morte se ela bater à
sua porta. Morrer de amor é um paradoxo, uma mentira contada pelos poetas, os
únicos que têm legitimidade para fazer isso! Amor é algo que faz alguém viver
dignamente, pois apenas se é possível viver com dignidade, não morrer com ela. Não
há beleza na morte, apenas frio, decadência e saudade.
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