Noite de lua cheia na praia. Dia de semana. O Sr. excêntrico resolve espairecer e vai de carro até a orla, na intenção de caminhar, mergulhar e ouvir o som do oceano. Logo que desce do carro e o tranca, aproxima-se uma pessoa e começa a falar com ele:
- Aí Dotô, pode ficá tranquilo que tá guardado. Deixa só aqueles cinco adiantadu, pra ajudá nóis, falô!?
O Sr. Excêntrico encara serenamente o rapaz enquanto o escuta com atenção. No instante em que termina, ele observa à volta e identifica as condições do ambiente que o cerca. Em seguida, encara o suposto "guardador" mais uma vez e pergunta:
Sr. Excêntrico - Qual o seu nome?
Guardador - Gílson, dotô!
Sr. Excêntrico - Prazer em conhecê-lo Sr. Gílson. Permita-me uma pergunta. Pelo que estarei lhe pagando cinco reais?
Guardador - Pra mim olhá o seu carro, dotô?
Sr. Excêntrico - Compreendo. Por que eu preciso que o senhor olhe meu carro?
Guardador - Pá não tê problema!
Sr. Excêntrico - Que problema eu posso ter? O carro ser roubado ou quebrado, por exemplo?
Guardador - Pode ser?
Sr. Excêntrico - Como o senhor iria evitar que alguém fizesse isso, caso acontecesse?
Guardador - Eu ia avisá o sinhô, né, dotô?
Sr. Excêntrico - E o que eu poderia fazer?
Guardador - Ficar sabendo! Chamá a polícia.
Sr. Excêntrico - Se o senhor não me avisasse, o que aconteceria?
Guardador - O sinhô ia chegá e não ia encontrá o carro, ou ia incontrá ele cos vrido quebradu, faltanu alguma coisa...
Sr. Excêntrico - Mas não aconteceria a mesma coisa, mesmo com o senhor me avisando?
Guardador - Sim, mas aí, mas daí o sinhô ia sabê quem foi?
Sr. Excêntrico - Sr. Gilson, o senhor iria perguntar aos bandidos gentilmente pelo nome deles?
Guardador - Não... eles bem podia me matá!
Sr. Excêntrico - O senhor sabe o meu nome?
Guardador - Não, o sinhô num me disse.
Sr. Excêntrico - Por que eu lhe diria?
Guardador - Não sei.
Sr. Excêntrico - Sem problemas. Então me responda, o senhor é bandido?
Guardador - Quê isso, dotô? Nóis é do bem! Tamo aqui na moral, olhando o carro do sinhô, aí!? Na paz. Fé em Deus!
Sr. Excêntrico - Então o senhor não é bandido. O senhor é da polícia?
Guardador - Não, dotô! Pô, os hômi lá e eu cá!
Sr. Excêntrico - O senhor não é bandido, nem polícia e não pode fazer nada melhor que fugir se um bandido vier roubar o carro ou quebrá-lo. Se o senhor não pode me oferecer nada do que eu preciso, pelo que eu lhe daria cinco reais?
Guardador - Pô, dotô! Pá ajudá nois! Pá adiantá o nosso lado... levá o leitinho das criança...
Sr. Excêntrico - O senhor tem filhos?
Guardador - Tenho três, dotô.
Sr. Excêntrico - Se eu não lhe der dinheiro, seus filhos não beberão leite hoje, então?
Guardador - Pois é, dotô! Pois é!
Sr. Excêntrico - Onde o senhor mora?
Guardador - Na comunidade ali, no morro ali atrás.
Sr. Excêntrico - O senhor não sabe o meu nome, não se interessou em perguntar. Não sabe por que eu estou aqui, de onde vim, não está interessado nisso também. O senhor me exige dinheiro inicialmente para me oferecer algo que sabe que não pode entregar. Depois de adimitir isso, o senhor me pede ajuda em dinheiro e, agora, quer que eu me sinta responsável pelo alimento DOS SEUS filhos?
Guardador - Pô, dotô! Não qué dá dinhero, num dá, pô! Não precisa brigá comigo!
O senhor excêntrico sorri ternamente e diz:
- O que lhe leva a acreditar que eu estou "brigando" com o senhor?
Guardador - O sinhô tá passanu maió sermão!
Sr. Excêntrico - Que sermão? Eu lhe disse que alguma coisa que o senhor fez é certa ou errada?
Guardador - Não, mas o sinhô falô aí que eu te inganei...
Sr. Excêntrico - Em que momento eu disse isso?
Guardador - O sinhô não disse, o sinhô...
Sr. Excêntrico - O "sinhô"... o quê?
Guardador - Não qué dá dinhero, não dá pô! Tô aqui na responsa...
O Sr. Excêntrico retira uma nota de cem reais do bolso, mostra ao rapaz e diz:
- Se o senhor me der um motivo para eu lhe dar qualquer quantia dinheiro, mesmo que seja um real apenas, essa nota de cem é sua. Qual o motivo o senhor escolhe?
Guardador - Pô, dotô! Eu não tenho motivo.
Sr. Excêntrico - Então por que o senhor não começa a procurar um motivo, ao invés de procurar dinheiro? Se o senhor parar para pensar, o senhor sabe onde está o dinheiro. Está no bolso das outras pessoas, nos bancos, nas contas etc. O senhor só precisa encontrar um motivo para que as pessoas queiram lhe dar do dinheiro delas, não é?
Guardador - O dotô tem um papo muito doido aí!
Sr. Excêntrico - Sim, eu imagino. Vamos fazer um trato, Sr. Gilson. Eu voltarei aqui à mesma hora, dentro de uma semana. Se o senhor estiver aqui e descobrir o nome, a história e como poderia ajudar as pessoas que trabalham naquele quiosque e naquela loja do outro lado da rua, sem cobrar nada por isso, eu lhe dou uma nota de cem. São cinco pessoas, no máximo. O que me diz?
Guardador - Tá bão então, dotô!
O Sr. Excêntrico voltou em uma semana. Procurou por senhor Gilson e ficou sabendo que ele fora contratado pelo dono do posto de combustível do outro quarteirão. Foi até lá parabenizá-lo e no intuito de pagá-lo, caso confirmasse o combinado.
Sr. Gilson - E aí, dotô? Tudo beleza?
Sr. Excêntrico - Eu estou muito bem, Sr. Gilson? Obrigado por perguntar. Meus parabéns pelo novo trabalho! Vim aqui para saber se o senhor descobriu o que combinamos.
Sr. Gilson - Pô? Descobri sim! A moça do caixa da loja se chama Joana, é filha do dono da loja e ... (...)
Sr. Excêntrico - Mais uma vez lhe dou os parabéns! Aqui estão os cem reais.
Sr. Gilson - Pô, dotô! Não posso aceitá, não.
Sr. Excêntrico - Por quê?
Sr. Gilson - Se não fosse o sinhô combiná deu ih perguntá as coisa, eu não tinha arrumado trabaio.
Sr. Excêntrico - Mas não foi o que combinei com o senhor? O senhor cumpriu com sua parte. Tem direito ao dinheiro.
Sr. Gilson - Dotô, eu qui queria que o sinhô aceitasse meus cem real. - Sr. Gilson tira do bolso um envelope fechado, dobrado.
Sr. Excêntrico - Por que EU deveria aceitar?
Sr. Gilson - Por que o sinhô me deu uma coisa queu pricisava muito e nem sabia, uma coisa que custa pá bem mais de cem real.
Sr. Excêntrico - Tudo bem, eu aceito, mas eu gostaria de contratar o senhor para mais um serviço, se o senhor estiver interessado? -
Sr. Excêntrico pega o envelope de Gilson enqanto diz isso.
Sr. Gilson - O que é?
Sr. Excêntrico - Eu vou lhe dar cem reais adiantados pela promessa de que o senhor fará com que mais três pessoas façam o mesmo tipo de trabalho que eu lhe pedi semana passada. Temos um trato?
Sr. Gilson - Eu vô tentá?
Sr. Excêntrico - Isso não é uma promessa de que vai fazer. Quero que o senhor me prometa que vai fazer!
Sr. Gilson - Eu vô tentá até eu fazê, nem qui dure a vida toda!
Sr. Excêntrico - ... E vai conseguir! Aqui está! Dê lembranças aos seus três filhos. Boa sorte, Sr. Gilson. Adeus.
O Sr. Excêntrico então parte com seu carro. Foi a última vez que fora visto.
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