The Shadow Hunter

The Shadow Hunter
Keep it Simple

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Somos bebês em corpos de Titãs

Da diferença entre força e fraqueza:

É muito comum ouvir as pessoas falarem umas para as outras, "sejam fortes!", ou "você tem de ser forte", ou "fulano é um fraco", "o senhor é um fraco, pede pra sair!"... A questão é "o que sinifica ser "forte" ou "fraco"?

Bom, o "forte" dessas sugestões aí de cima parece ser sinônimo de "suportar algo que pesa". Extendendo para uma coisa mais emocional, talvez se possa alcançar um sentido de  "suportar o próprio pesar". O "fraco" por sua vez, seria aquele que "cede a pressão" ou, por antítese ao "forte", seria sinônimo de "não-capaz de suportar peso", "não-capaz de manter-se são quando sente pesar".

Suportar o próprio pesar... Interessante! Até quando? Eternamente!? Para que finalidade? Queixar-se de que a vida não se dedicou a lhe fazer feliz? Nem mesmo as estrelas suportam o próprio peso! Quando o calor delas acaba: bum! Supernova! Se a gente tenta suportar o peso do universo ou corre tão rápido quanto a luz, literalmente a gente explode. 

Força e fraqueza na natureza são apenas condições. As coisas se concentram, se expandem e se transformam, num ciclo infinito. Não é preciso ser um super-cientista para testar isso empiricamente. Do símbolo à conduta, quem escolhe ser "forte" e "duro" como uma pedra o tempo todo, apenas está se forçando a explodir. Acaba apenas alcançando o resultado de se encontrar no momento seguinte na condição de maior fraqueza possível. Os fluidos como água e ar são frágeis, mas não deixam de ser o que são, onde quer que estejam. Uma pedra, por outro lado, depois que explode passa a ser poeira. Depois disso vira terra, lama, planta, gente...

A gente não encontra problemas em ser forte ou fraco, mas em se fixar em uma dessas posições por escolha deliberada. Uma escolha "meio-besta", diga-se de passagem. Tentar ser forte o suficiente e fraco o suficiente, de acordo com a situação já é difícil tentando. Imagina se a gente nem sequer estiver procurando por isso? Pessoalmente acho que definir uma situação em que "força" é demandada, não há precisão em se dizer "hei de ser forte". Acredito que a palavra "tenaz" cabe muito melhor. Isso significa apenas dizer que eu sou capaz de ser o mais forte e duro o possível, sem perder a capacidade de retornar à minha forma original. Essa eu afirmo seguramente que é a melhor maneira de lidar com aquilo que é necessário suportar

A título de curiosidade, faço uma inferência por antítese. A melhor forma de se atacar, influenciar ou fazer ceder, sucumbir é sendo "brando". Dessa forma a água e o vento esculpem as pedras e formam areia e poeira. Dessa forma, o Caos, figura mais antiga da Mitologia Grega, é símbolo de "o quê preenche o próprio espaço entre o Éter e a Terra".

Há de ser brando como a água e tenaz como "liga de titânio elasto-plástica"!!! 

(Se queremos uma máxima boa, por que não usar a tecnologia a nosso favor, né?)

Da diferença entre Ajustar-se e pertencer

- Se eu tenho que ser eu mesmo, eu pertenço. Se eu tenho que ser como você quer, eu apenas me adequo. 

O senso de pertencimento é a expressão clara de eficácia da principal meta da existência humana: a conexão. Quanto mais alguém tenta se adquar nos moldes do que o outro idealiza, mais se reifica, mais se torna coisa, mais longe fica de se conectar. Por fim, acaba por estar suportando o peso da expectativa do outro sobre si quando este está emocionalmente dependente. 

As pessoas eventualmente colocam o peso delas sobre a gente. Sem problemas. A gente ajuda a levantar, conduz na dança, dá show no trapézio, escuta a necessidade dela de criticar, ou o que quer que seja, mas com um propósito claro e tempo máximo pré-determinado. Um ser humano presisa se sustentar sobre quem é, não sobre o outro. Se a gente sustenta o outro mais do que o necessário, ou sem finalidade definida, acaba rolando uma "simbiose". Por consequência, a necessidade emocional de "significado" fica plenamente desatendida e ambos passam a experimentar a sensação de ser um lixo, de inutilidade. Vive-se em pleno "desamparo aprendido". 

Esse papo de "ama ao próximo como a ti mesmo" é maneiro, mas só funciona quando você começa com "amar a si mesmo direito" antes, pois eu garanto que ninguém gostaria de ser amado do mesmo jeito que uma pessoa que se trata como um lixo faz. 

As vezes quem nos ama é duro com a gente, quando deveria ser brando. As vezes é brando quando deveria ser duro. Essa pessoa, quem ama, só está tentando se conectar com a gente. Como você é sagaz, já deve estar pensando: "mas eu não tenho de tentar ser brando quando a pessoa for dura e vice-versa, para assim a gente se encontrar?". Você chegou por si só aonde eu queria chegar. 

Este é o lugar onde os espíritos se mesclam. É o símbolo maior do céu, da vida, do infinito. É a criação à partir do conflito, a destruição criadora, uma folha seca numa caixa de vidro, a pedra filosofal. A pedra que supostamente "institui valor de ouro" a todo metal com que se funde - um pedaço do próprio espírito de que se abre mão para criar valor. A pedra de cuja poeira se tira o elixir da vida eterna. Do Latim: Vita - intervalo entre o início e fim de um ciclo; "Eterna", aeternus - que não muda com o tempo. "Vida eterna" não significa não morrer, pessoa tola, mas existir em contato com a mudança sem abrir mão de quem é. 

Obviamente não é fácil, mas não é impossível. Além disso, em se praticar, todo dia a gente fica melhor, melhor e melhor em tudo... As nossas necessidades de significado e de conexão formam um paradoxo, mas no fundo, elas são apenas opostos complementares, que dependem um do outro para existir. Nós dependemos uns dos outros para sermos quem somos, porém, é em ver as diferenças que temos entre nós, que a gente exercita isso de fato. 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Série Papai Mestre Infante - 1 - Deve ser por isso que "os melhores são apenas bons para a infantaria".

O fim de semana foi cansativo. Comemorações, encontros sociais, almoços de família, madrugadas sem dormir e bebedeiras homéricas. Nada menos do que uma série de bons momentos convergindo em menos de 48 horas. 

Eu corro todos os dias algo por volta de 12 quilômetros. Somando-se uma média de 1:30   horas de sono desde sexta-feira a uma sobrecarga de etanol e McDonald's para processar no sistema, não haveria condição alguma de sequer se considerar a possibilidade de executar qualquer exercício físico deliberadamente. Domingo à noite era a hora que a minha cara estava denunciando "game-over". 

Papai infante, nesta noite de domingo, ao olhar para a minha cara de fim de carreira solta:

- Vai correr! Por que tu não correu hoje? 

Ele falou e deu de ombros, com ar sério de esporro, desafio feito, missão cumprida. Eu, fazendo certamente a expressão de alguém que pensa: "Vossa excelência só pode estar a propor atividades despudoradamente fornicativas com meu tecido epitelial facial". 

Não respondi nada, mas ele só podia estar de sacanagem!

Dia seguinte, depois de eu voltar da corrida, fui lá eu passar na frente dele todo molhado que nem um mané para ver se ele dava um retorno positivo. Ele não deu a mínima. Eu tive de perguntar:

- Pai, hoje eu corri a beça, o senhor não falou nada!? 

- Para quê? Hoje você sabe que consegue fazer. Só tenho que falar quando você acha que não consegue. 



sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Você preferiria morrer de paixão, ou viver sem propósito?

Paixão é sentimento. Amor é valor. 

A paixão é a dor que cria imperativamente o desejo de obter a experiência da beleza advinda do objeto a que se tem conexão. Fala-se paixão quando se quer dar categoria taxativa a desejo, de forma que este seja insubstituível e impossível de ser evitado. 

Amor, por outro lado é um valor, algo que existe para guiar a decisões de forma autônoma, ou seja, não apenas reativa aos instintos primitivos. A distinção deste para qualquer outro valor é o fato de ser a virtude altruísta por excelência. Em outras palavras, aquele que assume amor como sua virtude age em função do outro, pelo bem do outro, não para satisfazer o próprio desejo. Um ato por amor é aquele de quem abre mão de atender a si mesmo em determinado momento, para atender ao outro. 

Diz-se que um ato é puro de intenção quando este é feito puramente por valor. Isto somente é possível quando há o alinhamento entre o efeito a ser produzido e o desejo a montante. Há uma corrente muito forte de estudiosos que entende como sendo o "amor materno" o único provido de pureza de intenção, ou seja, o polêmico "amor incondicional". Esta alusão é totalmente coerente, pois o instinto materno está diretamente associado à prole. Isto alinha a decisão por instinto à decisão por valor, tornando-as a mesma consequentemente. 

Pode-se dizer que o desejo de uma pessoa ver outra feliz pode ser uma paixão. Quanto mais conectada e imersa em empatia ela estiver, mais ela estará apaixonada. Seu instinto a guiará, então, para buscar em desespero por provocar felicidade na outra. Há duas incongruências insanáveis nesta condição: 

  • Uma é se estar vinculando de forma dependente estado, atitude, humor do outro ao próprio. Consequentemente, quem age assim transfere a responsabilidade de como se sente a um sujeito externo, tornando-se impotente. As consequências são o comportamento de vitimização e a experiência de desamparo adquirido. 
  • Outra é justamente o paradoxo do hedonismo, mas com o agravante de buscar a felicidade diretamente para um sujeito externo. O conceito deste paradoxo resume-se a afirmativa de que não é eficaz se buscar felicidade diretamente, mas apenas criar condições para que esta se estabeleça. Consequentemente, esta ação de "buscar a felicidade do outro apaixonadamente" está fadada ao insucesso.
Não há nada de errado em "desejar ver o outro feliz", mas apenas na eficácia das decisões que se toma. Tampouco há algo de errado em se estar apaixonado, por mais dolorida que esta condição seja. Negar e evitar as experiências que despertam paixões na vida em princípio parece ser prudente, mas na prática é a pior das decisões. Isto apenas cria uma ilusão de invulnerabilidade e afasta não somente as emoções, mas o próprio senso de propósito do ser humano. Pode-se dizer que há hoje uma espécie de "epidemia desta doença", pois a falta de senso de propósito se reflete nas estatísticas apontando a atual sociedade como a mais obesa, endividada, viciada e medicada de todos os tempos. É inquestionável ser preferível morrer de paixão, que viver sem propósito. 

Como decidir por valor, sem negar as próprias paixões? 

A resposta começa com uma prática para se tornar emocionalmente tenaz. Deve-se "aprender a perder". Como quem perde experimenta vergonha, pode-se dizer que quem aprendeu a perder é resiliente a isso. Em outras palavras, aprende-se ser capaz de viver a experiência de se sentir envergonhado e não somente não se desesperar, mas retornar ao equilíbrio o mais depressa possível. 

A mesma pessoa apaixonadamente desejando ver a outra feliz, conforme caso acima, agiria de forma bem diferente sendo tenaz e consciente de sua condição. Ela não procuraria "resolver o problema do outro", mas ficaria atenta a ele de forma a encontrar formas de contribuir imperceptivelmente. Ela não nega a si mesma o desejo de ver o outro feliz, mas tampouco transfere a este a responsabilidade por como se sente. Ela pauta suas ações em uma estratégia voltada para tornar o outro autônomo em sua capacidade de ser feliz. Ela está disposta a perder, pois quem decide o que fazer e quando fazer sobre como se sente é seu objeto nesta situação. Ela não o pode fazer feliz, mas pode contribuir para que seja mais competente em se fazer feliz quando desejar. Ela não escolhe por ele, privando-o de sua autonomia. Ela o desafia, mas apenas no limite de sua capacidade. Ela age a montante do resultado que pretende, para que as condições permitam que o efeito advenha espontaneamente. 

O mais importante de tudo é que ela se sente serena e satisfeita, mesmo que não veja um sorriso no rosto do objeto de sua paixão. Ela se sente assim pois sabe que está sendo efetiva. Sabe que suas ações conduzem a realidade inevitavelmente a um desfecho em que ela, sem precisar agir, verá a beleza da felicidade espontânea lhe surpreender.



domingo, 19 de agosto de 2012

"Mr. Mayor", Eduardo Paes vulgo "Eddie Peace", agora é Tedster.


O trabalho de prefeito aqui em uma cidade como a nossa é complexo. Ele fez um apanhado geral nesse vídeo  enfatizou a parte boa, e ao menos mencionou alguma coisa da ruim. 

Essa iniciativa de "Cidade Socialmente Integrada" é bem coisa de IBM com o Smarter Planet dela. A tecnologia que ele meio que "se gabou" obviamente funciona de forma "um pouco menos" eficiente do que a imagem que ele vendeu. Porém, tem seus legítimos méritos. É coisa que a big blue está oferecendo para o mundo inteiro: A idéia de "cidade do futuro", de "cidade mais inteligente". Acho uma boa iniciativa, como um "produto". Oferece valor real. Trabalhei lá, logo sou suspeito pra falar.

Para julgar o trabalho do cara, acredito que é preciso saber ao menos três coisas: 

1)O quê ele fez? 
2)Como ele fez? 
3)Por que ele fez essas coisas e abriu mão das outras?

No número 1 resta a produtividade. 
No 2, polêmico, se ele roubou ou não, e se foi eficiente ou não. 
No 3, como ele escolhe usar o poder que a maioria das pessoas do município lhe instituíram. 

Esse vídeo é mera promoção dele e do Rio. Estou certo de que não é uma fonte de informações boa para permitir avaliá-lo como profissional ou como "gente fina". Tampouco acho justas diversas críticas a várias decisões e posicionamentos dele. Julgar "se ele é bom ou não como prefeito" para mim, que não tenho saco de fiscalizar as contas públicas de tudo que ele faz, deve se basear no número 3. Se a maioria de nós vota nele, isso significa que aquilo que damos valor é aquilo que ele faz. O professor e o médico do município (entre outros) ganham mal, mas a triste realidade é que a maioria de nós não gosta de escola e só se preocupa com Saúde quando a própria saúde falta. Sonhamos ser ricos, trabalhar pouco para ganhar muito, pagar o médico particular, professor particular... "Serviço Público" é quase sinônimo de "serviço ruim" para o carioca, talvez até para o brasileiro. O salário do jogador de futebol é alto porque nós damos valor a isso! Assistimos a jogos, bebemos cerveja e reclamamos da vida, do governo, do prefeito... Como reclamamos! É polêmico, mas eu digo: "nós damos valor a reclamar!" 

Uma opinião?

Somente acho que ninguém é perfeito, tampouco totalmente imperfeito. 

O Mr. Mayor aí faz o que ele acha que tem de fazer. 
Ele faz legalmente, até que se prove o contrário. 
Se eu não acho conveniente e oportuno, não voto nele. 





domingo, 5 de agosto de 2012

E eles me chamam de louco.


Quando querem alguma coisa, eles fingem que não querem.
Falam por falar, mesmo sem ter nada a dizer. 
Quando sentem falta de alguma coisa, reclamam ao invés de pedir. 
A maior parte do que fazem, fazem por fazer, porque todos fazem, sem saber por quê. 
Se você lhes pergunta por que não agir diferente, eles lhe estranham. 
Dizem que qualquer coisa diferente disso, você não pode fazer. 
Se você pergunta por que, eles não sabem responder. 
Se você age diferente, eles se assustam, fogem, exasperam-se. 
Se insistir, podem até lhe agredir, atacar, bater.

Quando quero alguma coisa, peço. 
Quando não tenho nada a dizer, calo. 
Quando tenho, então eu falo. 
No máximo, espero, ajusto, mas não deixo de expressar. 
Quando sinto, sinto. 
Pode ser alegria ou pesar. 
Se for gratidão, expresso. 
Se for dor no coração, despeço. 
Se é amor, eu ofereço. 
Se for sonho, desejo. 
Se for medo, fico atento. 
Paixão, eu tento,
Ganhando ou perdendo, doa o que doer.

...e eles me chamam de louco.

sábado, 4 de agosto de 2012

Ele deseja os tecidos do céu.


Se eu tivesse tecidos bordados dos céus,
Adornados com luz dourada e prateada,
O azul e o escuro e os panos escuros
Da noite e luz e à meia-luz,
Eu os espalharia por debaixo dos seus pés:
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas meus sonhos;
Eu espalhei os meus sonhos sob os seus pés;
Pise suavemente, pois você está pisando nos meus sonhos.

(Tradução do original "He wishes for the cloths of Heaven", de William Butler Yeats)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Será que o próprio Poder individual em si pode ser um problema? 

Nao ter escolha em uma situação é definitivamente desconfortável. Ninguém quer se sentir preso, acorrentado. Porém, escolhas demais também trazem grande sofrimento. Ambas as dores são completamente diferentes. A primeira diz respeito a se sentir preso, privado de liberdade. A segunda é bem mais sutil, profunda. Diz respeito a qualquer decisão que se toma ser percebida como de preço extremo, exorbitante.

No aspecto individual, tome-se aqui o conceito restrito de poder como o da gama de recursos que alguém possui para enfrentar os desafios do dia-a-dia. Isto posto, a hipótese a ser levantada é de se não seria um fator causador de enorme sofrimento alguém ter uma gama tão vasta de recursos de poder pessoal, que esteja sempre enfrentando enorme sofrimento quanto à eficiência de suas ações. Um fenômeno de fácil comprovação empírica é fator agravante desta situação ainda. Uma pessoa pouco se da conta de fato objetivamente de cada competência que possui, principalmente nos aspectos sociais e psicológicos.

Quando uma pessoa, nos termos descritos até aqui, "poderosa" se depara com uma situação, ela precisa decidir sob a pressão do momento de que recursos irá fazer uso. Se a variedade de opções for grande demais, o recurso a se decidir usar tem o preço de todos os outros. Se os outros são de número incalculável, a percepção sempre tenderá a ser de que a decisão foi absurdamente ineficiente, cara demais. Em muitas situações, a pessoa com muito poder pode se tornar ineficaz em absoluto, por "paralisar" emocionalmente perante uma situação perfeitamente administrável por ela, devido a uma crise de ansiedade associada ao medo da vergonha de errar algo simples. Em outras, o sofrimento vem depois da ação realizada em si, quando se vive propriamente o embaraço pela insegurança que permanece sobre a adequação, qualidade e moralidade daquilo que se fez. Neste último caso, o comportamento é o exemplo clássico de perfeccionismo.

Fazendo uso dos dados descobertos pela cientista social Dra. Brenè Brown, a civilização atual é a mais viciada, medicada, obesa e endividada da história. O "mal-estar social" seguindo a idéia do livro texto famoso nunca foi maior. O ato de consumir em si sempre será importnte, mas jamais resolverá o verdadeiro problema mesmo que se tornasse irrestrito a qualquer um. Quando não há comida suficiemte, os homens lutam entre si para sobreviver. Muitos chamam isso de guerra justa. Quando a comida sobra, eles arranjam outros motivos para lutarem entre si. Porém, quanto mais longe do essencial à vida, menos nobre é a causa. Todas estas que se relacionam a poder, quer seja sobre si mesmo ou sobre os outros, mexem com orgulho e preconceito. Por isso, são fontes de grande sofrimento e inspiradoras de medo.

Existe somente uma forma de se lidar com este contexto-problema do excesso de opções de recursos de poder: é preciso praticar sempre se fazer as perguntas certas. Suponha-se, então, que todos os dias fosse possível conscientemente formular um padrão de perguntas afim de assumir o estado de espírito certo, e assim se fazer lembrar de como se sente gratidão, serenidade, satisfação? Imagine se os estados de espirito pudessem ser alterados não somente pela instituição linguística de significados ao código verbal, mas pelo tom da voz, pela música, pelas imagens como expressões corporais ou faciais apenas, pela intenção do toque sutil, fazendo com que aquilo que está dentro de um possa contagiar o que esta fora com alegria e espontaneidade, deliberadamente? Imagine se isto sempre tivesse sido possível e estivesse ao alcance de todos... ?










quinta-feira, 12 de julho de 2012

O Nono Pássaro Azul


O nono pássaro azulado
pede pelo meu amor
e assim ele será dado
até o dia em que eu me for.



Quem és tu, pássaro azul? 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Felicidade bicando os dedos do pé!

Felicidade parece funcionar como um passarinho que vem fazer visita ao jardim da sua casa. Você planta flores, coloca sementes para eles se servirem, cuida de tudo para que você e eles possam se sentir confortáveis ao ficar ali. Eles vêm e vão quando querem. Se você chega perto, eles se assustam e voam, lhe deixando entediado ou apenas com as suas tristezas para se entreter. Quem sabe não seja boa prudência apenas dar a eles um bom dia; observá-los em sua mais pura beleza, tênue e delicada; cuidar deles apenas para que vivam melhor do que se você não existisse... Quem sabe, depois de algum tempo, depois de acostumados com sua presença, eles não só encham de alegria o solarium da sua vida, mas entrem no seu quarto para bicar seus pés no dia em que você dormir até tarde...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Um preço de prece por um valor da vida.

Noite de lua cheia na praia. Dia de semana. O Sr. excêntrico resolve espairecer e vai de carro até a orla, na intenção de caminhar, mergulhar e ouvir o som do oceano. Logo que desce do carro e o tranca, aproxima-se uma pessoa e começa a falar com ele:

- Aí Dotô, pode ficá tranquilo que tá guardado. Deixa só aqueles cinco adiantadu, pra ajudá nóis, falô!?

O Sr. Excêntrico encara serenamente o rapaz enquanto o escuta com atenção. No instante em que termina, ele observa à volta e identifica as condições do ambiente que o cerca. Em seguida, encara o suposto "guardador" mais uma vez e pergunta:

Sr. Excêntrico - Qual o seu nome?

Guardador - Gílson, dotô!

Sr. Excêntrico - Prazer em conhecê-lo Sr. Gílson. Permita-me uma pergunta. Pelo que estarei lhe pagando cinco reais?

Guardador - Pra mim olhá o seu carro, dotô?

Sr. Excêntrico - Compreendo. Por que eu preciso que o senhor olhe meu carro?

Guardador - Pá não tê problema!

Sr. Excêntrico - Que problema eu posso ter?  O carro ser roubado ou quebrado, por exemplo?

Guardador - Pode ser?

Sr. Excêntrico - Como o senhor iria evitar que alguém fizesse isso, caso acontecesse?

Guardador - Eu ia avisá o sinhô, né, dotô?

Sr. Excêntrico - E o que eu poderia fazer?

Guardador - Ficar sabendo! Chamá a polícia.

Sr. Excêntrico - Se o senhor não me avisasse, o que aconteceria?

Guardador - O sinhô ia chegá e não ia encontrá o carro, ou ia incontrá ele cos vrido quebradu, faltanu alguma coisa...

Sr. Excêntrico - Mas não aconteceria a mesma coisa, mesmo com o senhor me avisando?

Guardador - Sim, mas aí, mas daí o sinhô ia sabê quem foi?

Sr. Excêntrico - Sr. Gilson, o senhor iria perguntar aos bandidos gentilmente pelo nome deles?

Guardador - Não... eles bem podia me matá!

Sr. Excêntrico - O senhor sabe o meu nome?

Guardador - Não, o sinhô num me disse.

Sr. Excêntrico - Por que eu lhe diria?

Guardador - Não sei.

Sr. Excêntrico - Sem problemas. Então me responda, o senhor é bandido?

Guardador - Quê isso, dotô? Nóis é do bem! Tamo aqui na moral, olhando o carro do sinhô, aí!? Na paz. Fé em Deus!

Sr. Excêntrico - Então o senhor não é bandido. O senhor é da polícia?

Guardador - Não, dotô! Pô, os hômi lá e eu cá!

Sr. Excêntrico - O senhor não é bandido, nem polícia e não pode fazer nada melhor que fugir se um bandido vier roubar o carro ou quebrá-lo. Se o senhor não pode me oferecer nada do que eu preciso, pelo que eu lhe daria cinco reais?

Guardador - Pô, dotô! Pá ajudá nois! Pá adiantá o nosso lado... levá o leitinho das criança...

Sr. Excêntrico - O senhor tem filhos?

Guardador - Tenho três, dotô.

Sr. Excêntrico - Se eu não lhe der dinheiro, seus filhos não beberão leite hoje, então?

Guardador - Pois é, dotô! Pois é!

Sr. Excêntrico - Onde o senhor mora?

Guardador - Na comunidade ali, no morro ali atrás.

Sr. Excêntrico - O senhor não sabe o meu nome, não se interessou em perguntar. Não sabe por que eu estou aqui, de onde vim, não está interessado nisso também. O senhor me exige dinheiro inicialmente para me oferecer algo que sabe que não pode entregar. Depois de adimitir isso, o senhor me pede ajuda em dinheiro e, agora, quer que eu me sinta responsável pelo alimento DOS SEUS filhos?

Guardador - Pô, dotô! Não qué dá dinhero, num dá, pô! Não precisa brigá comigo!

O senhor excêntrico sorri ternamente e diz:

- O que lhe leva a acreditar que eu estou "brigando" com o senhor?

Guardador - O sinhô tá passanu maió sermão!

Sr. Excêntrico - Que sermão? Eu lhe disse que alguma coisa que o senhor fez é certa ou errada?

Guardador - Não, mas o sinhô falô aí que eu te inganei...

Sr. Excêntrico - Em que momento eu disse isso?

Guardador - O sinhô não disse, o sinhô...

Sr. Excêntrico - O "sinhô"... o quê?

Guardador - Não qué dá dinhero, não dá pô! Tô aqui na responsa...

O Sr. Excêntrico retira uma nota de cem reais do bolso, mostra ao rapaz e diz:

- Se o senhor me der um motivo para eu lhe dar qualquer quantia dinheiro, mesmo que seja um real apenas, essa nota de cem é sua. Qual o motivo o senhor escolhe?

Guardador - Pô, dotô! Eu não tenho motivo.

Sr. Excêntrico - Então por que o senhor não começa a procurar um motivo, ao invés de procurar dinheiro? Se o senhor parar para pensar, o senhor sabe onde está o dinheiro. Está no bolso das outras pessoas, nos bancos, nas contas etc. O senhor só precisa encontrar um motivo para que as pessoas queiram lhe dar do dinheiro delas, não é?

Guardador - O dotô tem um papo muito doido aí!

Sr. Excêntrico - Sim, eu imagino. Vamos fazer um trato, Sr. Gilson. Eu voltarei aqui à mesma hora, dentro de uma semana. Se o senhor estiver aqui e descobrir o nome, a história e como poderia ajudar as pessoas que trabalham naquele quiosque e naquela loja do outro lado da rua, sem cobrar nada por isso, eu lhe dou uma nota de cem. São cinco pessoas, no máximo. O que me diz?

Guardador - Tá bão então, dotô!

O Sr. Excêntrico voltou em uma semana. Procurou por senhor Gilson e ficou sabendo que ele fora contratado pelo dono do posto de combustível do outro quarteirão. Foi até lá parabenizá-lo e no intuito de pagá-lo, caso confirmasse o combinado.

Sr. Gilson  - E aí, dotô? Tudo beleza?

Sr. Excêntrico - Eu estou muito bem, Sr. Gilson? Obrigado por perguntar. Meus parabéns pelo novo trabalho! Vim aqui para saber se o senhor descobriu o que combinamos.

Sr. Gilson - Pô? Descobri sim! A moça do caixa da loja se chama Joana, é filha do dono da loja e ... (...)

Sr. Excêntrico - Mais uma vez lhe dou os parabéns! Aqui estão os cem reais.

Sr. Gilson - Pô, dotô! Não posso aceitá, não.

Sr. Excêntrico - Por quê?

Sr. Gilson - Se não fosse o sinhô combiná deu ih perguntá as coisa, eu não tinha arrumado trabaio.

Sr. Excêntrico - Mas não foi o que combinei com o senhor? O senhor cumpriu com sua parte. Tem direito ao dinheiro.

Sr. Gilson - Dotô, eu qui queria que o sinhô aceitasse meus cem real. - Sr. Gilson tira do bolso um envelope fechado, dobrado.

Sr. Excêntrico - Por que EU deveria aceitar?

Sr. Gilson - Por que o sinhô me deu uma coisa queu pricisava muito e nem sabia, uma coisa que custa pá bem mais de cem real.

Sr. Excêntrico - Tudo bem, eu aceito, mas eu gostaria de contratar o senhor para mais um serviço, se o senhor estiver interessado? -  Sr. Excêntrico pega o envelope de Gilson enqanto diz isso.

Sr. Gilson - O que é?

Sr. Excêntrico - Eu vou lhe dar cem reais adiantados pela promessa de que o senhor fará com que mais três pessoas façam o mesmo tipo de trabalho que eu lhe pedi semana passada. Temos um trato?

Sr. Gilson - Eu vô tentá?

Sr. Excêntrico - Isso não é uma promessa de que vai fazer. Quero que o senhor me prometa que vai fazer!

Sr. Gilson - Eu vô tentá até eu fazê, nem qui dure a vida toda!

Sr. Excêntrico - ... E vai conseguir! Aqui está! Dê lembranças aos seus três filhos. Boa sorte, Sr. Gilson. Adeus.

O Sr. Excêntrico então parte com seu carro. Foi a última vez que fora visto.













terça-feira, 29 de maio de 2012

A consciência indiferenciada


Metade de meu espírito é caos,
Quem preenche o espaço
de uma outra metade,
que perdi quando infante

Sem ele, estaria morto
Com ele, sou menos estável, concreto,
Porém, imensuravelmente mais poderoso.

Depois de alguns anos aprendi
Que quanto mais a alma se torna caótica
Mais tristemente sã a mente humana fica...

E isso é bem ruim.

O preço é a perda da relevãncia.
Tudo se esvai, o momento se perde
A vida se esquece.
A beleza perece.

Poucos entretêm,
Muitos entediam,
Entre mil, não estarei entre iguais.
Por isso, sempre solitário, distante.

O caos me torna tenaz,
É o poder de criação!
A essência da realidade!

Eu não posso controlá-la,
Mas posso me permitir
Fazer parte dela,
Como se não mais eu fosse
Um idivíduo, e sim o todo,

Conscientemente indiferenciado,
Essência implacavelmente pura
tanto da morte, quanto dos sonhos.

(Siegfried Theobald Shore) 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

"The Avengers Initiative" - O que os super-heróis teriam a ver com a paixão?



Por que os super-heróis fascinam tantas pessoas? Seria pelo poder sobre-humano e liberdades consequentes, ou pela chance de fazer a diferença para o mundo e respectiva glória. Quando alguém senta na poltrona do cinema para assistir a “Os Vingadores” da Marvel Studios, o que realmente lhe entretém?
O que instiga mais em um filme são as perguntas que este mesmo leva o espectador a se fazer. Quando há um herói explícito, como no exemplo dado, a primeira pergunta que vem em mente, às vezes sem que se perceba, é “o que eu, quem assiste, faria nessas situações apresentadas se fosse esse super-herói?.” O que você faria se fosse o “semideus Thor”; ou o “supersoldado ressuscitado Steave Rogers”; ou o “gênio, bilionário, playboy, filantropo Tony Stark”; ou o “amaldiçoado Dr. Bruce Banner”?
O universo dos heróis instiga muito pelos dilemas que advém do confronto entre poder e responsabilidade. Se você fosse um super-herói, seus problemas atuais não existiriam. Essas dúvidas e conflitos que lhe são difíceis e, ao mesmo tempo, lhe fazem sentir-se mundano, irrelevante, ou até mesmo até egoísta, seriam desprezíveis. Os supervilões que ameaçam o mundo inteiro seriam seu problema prioritário, pois proteger a humanidade estaria acima de você mesmo. Seus conflitos pessoais internos e interpessoais teriam uma desculpa perfeita para serem deixados em segundo plano. Você pode fugir dos seus problemas sem receio de parecer fraco.
Este é o outro lado da história dos super-heróis. Os verdadeiros personagens dessa trama dos “Vingadores” não se confundem com seus “alter-egos”. O personagem do filme não é o “Hulk”, mas Dr. Bruce Banner. Não é o “Homem-de-ferro”, mas Tony Stark. Não é o “Capitão América”, mas Steave Rogers. Não é “Thor” o semideus, mas “Thor” primogênito de uma família tradicional, tendo um irmão caçula desajustado. A história não é sobre como os “supers” brigam e produzem cenas antológicas de efeitos especiais, mas sobre como os humanos por trás deles são seres com problemas mundanos a resolver. O detalhe mais importante é que a própria situação problemática a ser resolvida pelo filme só existe porque o irmão mais novo do semideus resolve “aprontar uma travessura”. Para quem não é familiarizado com histórias em quadrinhos, filmes de super-heróis ou mitologia nórdica, “Loki” é o próprio Deus nórdico da travessura. Ele é tanto o vilão que fez com que os “Vingadores” acontecessem, quanto o animado e querido “Maskara”, interpretado por Jim Carrey em 1994.
http://www.impactonline.co/features/727-avenge-this-tom-hiddleston-and-mark-ruffalo
A questão que fica é “você desejaria ser um super-herói?”. Mais especificamente: “sendo lhe dada essa opção, você escolheria se tornar um?”. Por quê? A depender de sua resposta, se lhe fosse dada a opção, é bem provável que você se tornasse “super”, mas algo bem distante de um herói.
Herói é uma figura arquetípica que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica. Do grego ‘hrvV, pelo latim heros, o termo herói designa originalmente o protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Para os Gregos, o herói situa-se na posição intermédia entre os deuses e os homens, sendo, em geral filho de um deus e uma mortal, ou vice-versa. Portanto, o herói tem dimensão semidivina. Variando consoante as épocas, as correntes estético-literárias, os gêneros e subgêneros, o herói é marcado por uma projeção ambígua: por um lado, representa a condição humana, na sua complexidade psicológica, social e ética; por outro, transcende a mesma condição, na medida em que representa facetas e virtudes que o homem comum não consegue mas gostaria de atingir – fé, coragem, força de vontade, determinação, paciência, etc. O heroísmo que resulta em autossacrifício chama-se martírio. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%B3i)
O mártir é o herói que morre para que o problema seja resolvido. No filme “Os Vingadores” há um desses, mas que não se deixem “spoilers”. Só uma dica, ele não é um dos principais. Ser herói significa sofrer, arriscar-se até o limite de se tornar o mártir. Quanto mais perto do autossacrifício, mais se é heroico. Então, se superpoderes lhe fazem fugir dos seus próprios problemas, ao invés de enfrentá-los, tomar decisões, errar bastante antes de acertar, sofrer as consequências dos erros e até dos acertos, o quanto eles não lhe distanciariam de fato do heroísmo original?
O “Drama e tragédia” são invenções gregas. Originalmente o primeiro significava apenas “ação”, num sentido próximo de representação teatral. O segundo seria uma forma específica desse “Drama” em que o personagem principal, leia-se “o herói”, lida com um conflito com algo que está acima de si mesmo, leia-se “o mundo ou a humanidade”. Essas palavras hoje ganharam muitas conotações diferentes. O interesse de expor estas raízes etimológicas está em demonstrar como o pensamento de todo o mundo atual, principalmente no lado ocidental, foi influenciado por esses conceitos.
O sofrimento do herói é inalienável. Um indivíduo tem a opção de deixá-lo, mas se o fizer perde a condição sine qua non para ser “herói”. Em outras palavras, uma pessoa precisa aceitar a paixão, o sofrimento, para agir com heroísmo. Tudo que se sofre tem origens em “desejos” que não podem ser atendidos ao menos de imediato. Conforme a postagem antiga deste blog “O abismo entre a sede e o copo d’água”, o desejo decorre de um vazio interior, esse sujeito que demanda aquilo que um, ou “o”, objeto de desejo pode suprir. Este vazio teria o nome de “necessidade”. A questão do “querer” é sempre a mais relevante, pois nela encontra-se a faculdade, o poder de escolha, sobre o objeto de desejo.   Ora, se só existir um objeto de desejo possível, como dar nome à esse tipo de necessidade? O termo mais propício seria "paixão", pois não se pode querer outro objeto em seu lugar, ou abdicar dele de vez, sem perder ou a  vida, ou a própria noção de quem se é. Neste ponto é que “paixão” e “herói” caminham juntos. Isto, pelo menos nesta lógica no mínimo pretensiosa, mas autenticamente oferecida para entreter antes de informar, estando longe de pretender ensinar alguma coisa. As perguntas são mais importantes que as respostas, como Confúcio diria.
Quando você tem uma paixão, você sabe o que quer. No momento em que você nasceu, seus pulmões estavam colados. A taxa de oxigenação do seu sangue caia a cada segundo e o que eram nove meses de conforto e relaxamento dentro de uma bolsa de água morna tornou-se um momento de absoluta agonia. A reação natural para a qual o seu corpo foi programado por instinto para o instante em que você entra no desespero da hipoxia é um espasmo severo do seu músculo diafragma. Você então inspirou o ar agressivamente para os seus dois pacotes de alvéolos grudados. Entre o sofrimento agonizante do sufocamento e a dor incomensurável de carne descolando de carne dentro do seu próprio peito, seu instinto lhe fez escolher sentir doer... E muito!!! O ar, este com que você nunca houvera tido contato até então, este que lhe fez sentir frio assim que deixou o corpo de sua mãe, passou a ser em menos de vinte segundos do seu nascimento o seu objeto de desejo imprescindível. Para este não há alternativas ou abstenções. Você o quer mais que tudo! Eis a sua primeira e verdadeira paixão. 

Será que todos nós não somos, desde que nascemos, heróis? 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Entre os Anjos e os Tolos, o Poeta.

        Se há indivíduos que são como Anjos no mundo, estes são os bons artistas. Eles disparam sua influência no ar, com pouco ou nenhum retorno. Não se dão conta do efeito que se desdobrará em cada pessoa de sua audiência. Eles tocam, mexem, comovem, iludem e entretêm, sem interferir nas individualidades diretamente por hipótese ou opinião, sem projetar nada sob a influência de seus desejos ou pressupostos. Eles apenas se entregam à mais pura expressão de sua arte autenticamente.
        Eu não me considero artista. Por vezes, recebi a honrosa alcunha de "poeta", dada por bons amigos com quem tive o privilégio de conviver. Afirmo inexoravelmente então que não sou, não posso ser, não me considero um desses também, consequentmente. Para mim, estes são os sujeitos mais puros da Arte por excelência, pois têm para usar como meio de expressão apenas o mais pobre dos recursos. "O Poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente" - nas palavras de Fernando Pessoa, esse sim, um deles.
        E sou apenas mais alguém que vive entre o "ser tolo" e o "fazer-se de tolo", compreendendo que a diferença entre ambos seja apenas um puro e legítimo "propósito". Só não cesso de me questionar por qual nome deveria ser chamado "um tolo com um propósito"...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Lembrai-vos da Guerra" - (Poema do Cadete Ex Affonso Cláudio Figueiredo)


Imensa formação de brancas cruzes,
Desfile mortuário de fantasmas,
Exótico mercado de miasmas,
Exposição de ossadas e de urzes...

Calado e mudo queda-se o canhão,
Apenas trevas cobrem a amplidão,
Que outrora foi um campo de batalha...
Calada e muda queda-se a metralha.

É morta na garganta a voz do obus,
O sabre traiçoeiro não reluz
Dilacerando, ensanguentando a terra...
A paz voltou, é terminada a guerra.

Os heróis tombaram das alturas,
Os covardes e os bravos olvidados,
Seus feitos aos livros relegados,
Nada mais resta, apenas sepulturas.

E eu? Quem sou?
Perguntam eu quem sou?
Pois bem, eu lhes direi: sou um soldado,
Igual a qualquer outro que avançou, combateu, foi derrubado.

Cruzes iguais...
Terrivelmente iguais...
Exército que cresce mais e mais,
No festim diabólico da morte.
Aqui jaz o covarde. Ali o forte.
Aqui dorme um estranho. Ali estou eu...

Mas ninguém sabe como ele morreu...
Não se lembram do campo de batalha,
Nunca ouviram o riso da metralha...
Não sentiram tremer o corpo inteiro
Ante o rugido brutal de um morteiro...
Não viram a cor dos olhos do inimigo.
Não sentiram o medo do perigo,
Que vos faz desejar a morte breve.
Nunca sonharam. Nunca, nem de leve.

Mas... Nem todos se esqueceram do soldado
Que está longe, bem longe sepultado...

Mamãe, minha boa mãe, se tu soubesses
Que tua imagem adornei com flores,
Que tuas flores foram minhas preces,
Preces colhidas no jardim das dores...

Minha querida mãe, se te contasse
O medo que senti sem teu carinho,
Um medo horrível de morrer sozinho.
Medo mesmo que o medo me matasse...

Mas deixei meu abrigo e avancei
Julgando ver a morte a cada passo
Ao ouvir o sibilar de um estilhaço...
Parei... Pensei em ti... Continuei...

Minha querida mãe se te dissesse
Que quando derrubou-me uma granada
Atirando-me na terra enlameada,
Foi por ti que chamei desesperado.
Por um momento deixei de ser soldado
E fui novamente uma criança
Sentindo na morte a esperança
De ainda adormecer no teu regaço.
Mamãe. Matou-me um estilhaço...

Minha querida noiva, por que choras?
Relembras por certo as boas horas
Que passamos juntos. Só nós dois...
Íamos casar. Lembra-te?

E depois... E depois uma casa retirada.
Cortinas nas janelas enfeitadas,
Tu me esperando... eu vindo do quartel...
A nossa casa um pequenino céu,
Aberto a vinda de um herdeiro...
Meu sonho, meu sonho derradeiro,
Foi de beijar-te antes de morrer.
Mas ao golpe frio da granada,
Beijei apenas a terra ensangüentada.
Mamãe, minha noiva, aqui se encerra
Uma história de sangue, esta é a Guerra.
Não chorem. Tudo é terminado
Rápido como coisa de soldado...

Mas mamãe...
Se novamente a pobre humanidade
Mais uma vez em busca da verdade
Rufar seus tambores sobre a Terra
Anunciando mais sangue e outra guerra,
Se outro filho a Pátria te exigir,
Sem lágrimas mamãe, deixe-o ir...
Embora te destrua o coração,
Ainda que te alquebre a agonia
Por favor mamãe,
Peça a esse irmão,
Para que seja também de
INFANTARIA !!!!

terça-feira, 1 de maio de 2012

O que paixão e sanidade podem ter a ver com vida e morte?


           Eu morava em uma caverna esculpida em numa rocha com saída direta para o oceano. Da varanda dos fundos era possível mergulhar ao mar e subir novamente. Rios desaguavam neste tanto pelo lado esquerdo da residência, quanto pelo direito. Internamente, o ambiente era iluminado como o de uma casa comum. Havia várias janelas. Os cômodos eram perfeitamente alinhados e retangulares.
Somente ao acordar depois na realidade que me dei conta de como era impossível esse tipo de imóvel existir. A maré engoliria a casa com ondas batendo na porta dos fundos, inevitavelmente chegando até a porta da frente. Porém, como aquele era o mundo dos meus sonhos, o oceano era só meu e se comportava de forma bastante peculiar.
Eu estive em um dos cômodos conversando com meu primo e meu irmão. Estávamos os três sentados ao chão de tacos envernizados, como fazíamos enquanto crianças na casa de uma avó hoje já falecida. O assunto era ameno, histórias que eu ouvia meu primo contar enquanto minha mente estava distraída, desejando olhar pela janela o rio maior que desaguava forte correnteza no mar. Esta janela ficava à esquerda de quem encarasse o oceano. Quando meu irmão fez uma pergunta, desviando a atenção de meu primo, eu me levantei e fui até esta janela. Senti muita vontade de mergulhar na água ali, mas desisti da ideia. Passou pela minha cabeça que a água estaria “suja”, por ser do grande rio vindo da cidade, e que a corrente seria perigosa por ser o ponto de deságue no mar.
Fui, então, até a varanda da parte de trás da casa. A saída do rio à direita era realmente vinda de uma caverna e passava exatamente ao lado, quase ao nível do chão de rocha. A correnteza era forte, mas não chegando a ser turbulenta. Minha vontade de entrar na água era imensa. Desci sem mergulhar pela frente da varanda e senti a água me envolver da forma agradável que eu desejava.
Fiquei poucos instantes aproveitando. A correnteza começara a me puxar suavemente, tendendo a me levar cada vez mais para frente da saída do rio da caverna. Dei dois impulsos fortes e me segurei em um vinco da própria rocha da varanda. Era uma pedra lisa, difícil de segurar. Puxei meu corpo e consegui com dificuldade me encostar à rocha, mas ainda sentia a correnteza querendo me levar embora. Olhei então para trás vi a paisagem da costa, por onde provavelmente flutuaria à deriva se me soltasse. Era uma imagem que marquei no mundo real da vista da costa da Ilha Grande no Rio de Janeiro, observada do canto esquerdo da praia de Lopes Mendes, ou do mar, em frente ao vilarejo de Dois Rios. Naquela direção ficariam a Praia de Santo Antônio e, em seguida, Caxadaço, Parnaioca e Aventureiro. Não era possível ver estes lugares, mas apenas o relevo montanhoso com sua forma inigualável, e saber o que ficava lá.
Depois de lutar para ficar agarrado à rocha e para conseguir subir de volta à varanda, eu despertei aqui na Freguesia de sempre, madrugada no mundo real, com a impressão segura de que aquilo que eu lutava contra seria na realidade a minha própria vontade de deixar a corrente me levar embora.
Já vivi situações em que estive nadando em correntezas difíceis de sair, sem metáforas. De todas elas saí nadando. Em todas quase morri afogado. Em apenas uma delas entrei por acidente, nas demais para tirar algum imbecil se afogando da água. Estar em uma correnteza sendo levado é uma sensação aterrorizante. É uma luta contra o desespero estimulado por ver a costa se afastando e contra a vontade que isso gera de acabar com as próprias energias nadando contra a corrente. Desesperar-se e exaurir-se são as receitas infalíveis para a morte. Se eu não morri, já que neste parágrafo não relato mais sonhos, é por que nadei na direção certa.
O mais interessante é que em todos esses casos reais não houve glória. Se você se imagina salvando alguém de se afogar, muitas vezes se vê como herói, com pessoas te aplaudindo, o imbecil que se afogava te agradecendo... Nunca vi isso. Todas as vezes que tive de agir para evitar com que um mané desses se afogasse, foi porque era em um horário e lugar que não havia ninguém mais para ajudar. Era eu ou Iemanjá que puxaria o grande babaca, para terra ou para o fundo! Pessoas se afogando são engraçadas. Elas deliram como se acreditassem que já morreram. Dá vontade de bater nelas. É irônico ao ponto de eu pensar se elas não estão tentando “chorar no próprio enterro”. Deixa isso pros vivos. Se a morte te sorri, dê-lhe uma gargalhada na cara de volta.
Uma vez você larga a carga na areia e chama alguém do posto salva vidas mais próximo. O “bundão” nem sabe que você existe. Outras, você nada até uma menina, conversa com ela, distrai, oferece a prancha para ela descansar e nada empurrando um corpo da vala para o banco de areia. Ela não te agradece: “pede desculpas”, pois você alertara a ela e ela deu de ombros.
A pior das vezes é a de você estar com amigos no fim da tarde na praia, um deles, imbecil claro, não sabe nadar direito e cai na mesma situação da menina. Entre sete pessoas, um apenas tem uma prancha de bodyboard e um par daqueles pés de pato específicos para a prática. O que acaba acontecendo é que os pés-de-pato ficam um pé com um, outro com o outro. A prancha, com o dono. Você, sem nada em princípio. Quando o idiota cai na vala, ele é um dos que está com um dos pés-de-pato. O da prancha está na areia. Por sorte – ou azar – o outro cara com o outro pé enjoa de brincar na água e lhe passa o seu. Você já alertara o idiota que já está na vala e ainda não percebeu para voltar várias vezes, mas você é um chato, claro!
Quando você termina de calçar o pé-de-pato, o imbecil te chama: “Pô, me dá uma ajuda aqui! Tá foda! Não to conseguindo voltar!” – Um pedido de socorro cheio de vergonha. Filho da ... mãe!  Lá vai você entrar na vala, uma correnteza do “car....!!!”, para do lado do cara e começa a conversar, estudando a situação e explicando o que teríam de fazer. Logo você nota que o cara tá morto de cansado e precisa decidir falar para ele ficar quieto, boiando se puder. Você acena para a areia para o outro entrar com a prancha. Demora um pouco para que te entenda, mas depois de um tempo ele chega. O quase afogado sobe na prancha para ir dividindo esforço com o que veio. O tamanho do pé-de-pato que está com você é menor do que seu pé. Você já o usou o suficiente para ficar com câimbras na panturrilha respectiva, além disso, julga que esses dois terão melhores chances de sair se estiverem com mais um pé-de-pato. Com uma prancha é bem mais tranquilo nadar para o banco de areia. Logo você os vê saindo a pé da água. Quem ficou na vala?
Parece um problema de matemática, mas é uma situação crítica: “Sem pé-de-pato, na vala, sem perna direita por causa de câimbra”. Imagine-se dando braçadas em um ângulo inclinado para fora da costa, tentando aproveitar a correnteza, dando olhadas para a areia para ver se alguém te nota, pensando em pedir socorro para si mesmo. Depois de vários minutos, já fora da arrebentação, você vê os seis pontinhos distantes “jogando bola” com chinelos enquanto você luta com a morte! Quando você se dá conta de que não tem ninguém mais prestando atenção em você, que não há outra opção senão lutar para continuar respirando, você fica perfeitamente focado. No mar, ali, você decide e conclui que se não se desesperar, pode ficar horas dando braçadas e, se quiser, pode boiar até morrer de hipotermia. Só o desespero poderia te matar afogado mesmo. Nesse processo, você chega a um ponto onde consegue entrar em uma bela onda pega desde a base, fora da arrebentação. Cruza uma bela distância com ela até sentir seus pés tocarem o chão do banco de areia. A câimbra paralisa de vêz sua perna direita, mas você manca até a praia feliz.
Ao chegar, você se joga na areia perto de onde os amigos jogam bola. O imbecil que te fez passar pela experiência toda ainda pergunta: “tá na de fora?”. Você gentilmente murmura, com a cara na areia, os braços latejando: “não, valeu!”.
Como não é irônico sonhar com “a vontade de deixar o mar me levar”, por mais que tenha a ver na verdade como se deixar levar “pelas emoções”, “paixões” e “beleza” na verdade. Eu realmente amo o oceano! Não o temo, mas o respeito, pois sei que ele infinitamente maior do que eu. Quase morri e vi morrer mais de uma vez nele, sem metáforas. Paixões não matam. Deixam apenas a sanidade comprometida por alguns instantes, o suficiente para que você queira lutar contra a morte se ela bater à sua porta. Morrer de amor é um paradoxo, uma mentira contada pelos poetas, os únicos que têm legitimidade para fazer isso! Amor é algo que faz alguém viver dignamente, pois apenas se é possível viver com dignidade, não morrer com ela. Não há beleza na morte, apenas frio, decadência e saudade. 

terça-feira, 24 de abril de 2012

O abismo entre a sede e o copo d’água


“O paciente está laranja!”

Paciente – Eu estava jogando golfe e senti meu pescoço travar. Quer dizer: doeu um pouco, mas eu continuei jogando. Na manhã seguinte eu mal conseguia levantar.
Dr. House – Bem, você está sorrindo, então eu presumo que significa não ser coisa séria.
House retira do bolso um tubinho de medicação e toma um comprimido.
Paciente – O que é isso? O que está fazendo?
Dr. House – Analgésicos.
Paciente – Ah! ... para a sua perna.
Dr. House – Não, é porque são saborosos...! Quer um? Vai lhe fazer sentir as costas melhorarem.
                House entraga um comprimido ao paciente, que o ingere de imediato.
Dr. House – Infelizmente, você tem um problema mais profundo: “Sua esposa está lhe traindo”.
Paciente – O quê!?  
Dr. House – Você está “laranja”, seu imbecil! Isso é uma coisa para que você note, mas se sua esposa não captou o fato de que seu marido mudou de cor, ela simplesmente não está prestando atenção!
(...)
A propósito: você consome apenas uma dose ridícula de cenouras e polivitamínicos. As cenouras deixam você amarelo. A niacina, vermelho. Pegue umas pinturas a dedo e faça as contas. 
... e contrate um bom advogado.

(House MD (2004) – S01E01 – Episódio Piloto)

                A falta de atenção ao outro não só acaba com casamentos, mas destrói economias e desencadeia guerras sangrentas. Para que prestar atenção? Ora, a forma mais profunda de agredir alguém é tratar esta pessoa como se ela não existisse! Com esta conduta não se está simplesmente comunicando à outra pessoa o quanto ela não tem valor, está se demonstrando isso de forma evidente e contundente a ela. Em um ambiente em que nenhuma pessoa presta atenção à outra, as pessoas estão sempre preocupadas em conseguir o que querem. Parodiando os próprios personagens de David Shore:

Dr. House - “Bem, como o filósofo Mick Jagger disse: "Você nem sempre consegue o que quer(...)".

Dra. Lisa Cuddy – “(...) mas se você tentar, às vezes, você simplesmente descobre que pode conseguir o que precisa”.

                Certo camarada bem importante do mundo do Marketing costuma escrever em seus livros acadêmicos que há uma diferença muito bem definida entre “Necessidade” e “Desejo”. Em sua explicação ele define o primeiro termo como sendo primário, basicamente um “vazio” que precisa ser preenchido, mas que não tem forma a priori. O segundo termo seria aquilo que “possui uma forma que pode se encaixar” e preencher este “vazio”. Os colegas do Marketing trabalham para criar “desejos”.  As “necessidades” já existem nas pessoas naturalmente.
                Nestes termos tudo soa muito óbvio. Uma pessoa sente sede. Qualquer líquido hidratante pode suprir esta necessidade. Se o ser humano fosse uma máquina e só precisasse de uma coisa de cada vez, “água” seria o objeto mais apropriado a oferecer. A sede é a necessidade. A pessoa desejaria água pura, simplesmente. Porém existe aquela pergunta prática: “Por que não matar a sede com refrigerante, água de côco, sucos de fruta etc.?
                A confusão começa neste ponto. O fato é: apenas água hidrata. Quer dizer que refrigerante “não mata a sede”? Claro que “mata”! Há água no refrigerante! Quem o bebe estará sempre de alguma forma se hidratando. Deixem-se de lado as questões de preferências e saúde. Quem quiser substitua refrigerante por água de côco, chá, isotônicos etc. O exemplo continua valendo. Qual é a necessidade especificamente? Seria a água? De forma alguma! A resposta apropriada seria “somente permanecer hidratado”.
Este é o exemplo mais simples possível e já tem enorme potencial de causar confusão. Imagine se as necessidades forem mais de uma ao mesmo tempo. Imagine se muitas delas forem abstratas como “aceitação social”, “autorrealização”, “autoconfiança”, “expressão pessoal” etc... Sim, coisa realmente começa a ficar complexa no mundo real.
No dia a dia, as pessoas sentem suas respectivas necessidades e são estimuladas por diversos tipos de objetos de desejo. Cada um destes oferece quase sempre o atendimento de mais de uma dessas ao mesmo tempo. Basta pensar que a “água gelada” num dia de calor é mais desejada em média que a “água à temperatura ambiente”. Uma coisa é se hidratar, outra é se “refrescar” – ou “sentir-se reconfortado pelo frescor”. Identificar as próprias necessidades claramente é muito difícil e já requer muita prática. Classificá-las e decidir quais delas são as prioritárias é ainda pior, pois elas mudam conforme o contexto em que se está.
Não há como influir sobre o que se necessita. Só há escolha quanto ao que se deseja, quanto ao que se “quer”. Porém, se não há uma identificação precisa das necessidades, das prioridades entre elas, acaba se reagindo ao estímulo dos objetos de desejo inadvertidamente. Na prática, é como “sair para comprar pão e voltar para casa com um bilhete de loteria”. Diz-se muito por aí que “é um problema quando uma pessoa não sabe o que quer”. Talvez esta crítica esteja mal formulada. Quem sabe o problema mesmo não seja “a pessoa não ter claro para si mesma o que precisa”?
Querer é simples. Basta andar em um Shopping Center. Basta assistir comerciais de TV. Basta andar nas ruas, ver pessoas, imagens, estímulos etc. Entretanto, o que é prioritário? O que é mais importante? O que será importante em breve e em nem tão breve?
                As ações de marketing relativas principalmente à “promoção” estimulam os consumidores a acreditar que estão levando mais satisfação de necessidades por menos “preço”. Os colegas da área gostam de chamar isto de “percepção de valor”. Quem gosta e trabalha com vendas muitas vezes se mostra fiel a ideia de que todos precisam de tudo em algum momento, bastando para isso se manter próximo para oferecer o “produto certo”, no local, momento e preço adequados. Essa maneira de pensar é ótima para quem vende, mas se tomada ao extremo pode haver um efeito negativo à longo prazo para quem compra.
                Não é simples perceber, compreender, classificar e priorizar as próprias necessidades. Se fosse simples, não haveria coisas como “dilemas éticos”, “disputas de egos”, talvez nem mesmo “corações partidos” ou até a palavra “amor”. É possível ir longe mesmo com essas ideias. Uma pessoa precisa amadurecer para lidar bem com a variação e instabilidade de suas próprias necessidades. Esse amadurecimento se dá como qualquer processo de aprendizado: depende de desafios, ambiência, intenção e prática, muita prática!
                O profissional de Marketing não tem como e não vai se preocupar jamais com como seu possível cliente gere as próprias necessidades. Na realidade, se puder, ele mesmo vai determinar o que é prioritário para você! Nesse momento é que a ação promocional desta área pode executar uma conduta imoral. Basta imaginar o conto do “João e o pé de feijão”: o menino sai de casa para vender uma vaca e comprar mantimentos, mas volta com três feijões mágicos. No conto de fadas os feijões são mágicos e a estória termina com prosperidade e ovos de ouro. Na vida real, isso se chama “fraude”. Se trocar sua vaca por três feiões verdes, sua família morre de fome.
                Este exemplo é extremo demais. Não é preciso haver ma fé objetivamente para que o problema se dê. Suponha-se que uma mulher solteira, com seus 32 anos, bem sucedida e bonita caminha em um Shopping Center – mais uma vez – pretendendo comprar um vestido para usar em um casamento. Ela entra diretamente na loja e, para simplificar a explicação, começa a analisar o acervo até ser abordada pela vendedora:
Vendedora - Bom dia, posso ajudar?
Consumidora - Sim, gostei desse. Vou experimentar.
Após vestir-se, a vendedora aborda novamente:
Vendedora - A senhora tem muito bom gosto. Este vestido lhe caiu perfeitamente. É para alguma ocasião especial?
Consumidora - Sim. Vou ao casamento de uma amiga.
Vendedora - Que ótimo! Acredito que a senhora acharia estes sapatos e este colar perfeitos para combinar com o vestido. Eles compõem nossa nova coleção. A senhora não acha linda esta combinação? Este ano nossos estilistas arrasaram.
Consumidora - Sim. Realmente o conjunto é lindo.
Vendedora - Se a senhora desejar levar todo o conjunto, podemos oferecer condições especiais de pagamento parcelado.
Consumidora - Quanto custa o conjunto e quais são as condições de pagamento?
                A história termina como qualquer outra normal. A mulher compra vestido, sapatos e colar, embora só tenha saído para comprar um vestido. Ela agora tem mais um par de sapatos e mais um colar. Não há problema algum em ter a coleção completa. Certamente isso atende a um conjunto de necessidades ligadas a aceitação social, autoconfiança etc., mas será que dentro de um orçamento restrito essas são de fato as prioridades dela? Será que o dinheiro a mais alocado nas peças além do vestido não deixou de sê-lo em algo que ela poderia considerar mais importante?
                Neste momento é que entra o famoso “não saber o que se quer”. Isso sempre será difícil para qualquer um. No mundo dos negócios, quem não sabe o que deseja “é ajudado a tomar uma decisão que é boa para si mesmo”. Muitos entendem esta frase coma a mais pura definição de “venda”. O que difere isso de manipulação?
                Para que isto não ocorra, quem vende poderia antes ajudar a pessoa a entender o que “necessita”, antes de lhe apresentar um objeto de desejo. Os profissionais vendedores dirão que “assim se vende menos e se lucra menos”. Eles têm toda razão em seu ponto de vista prático, determinista. É realmente fato que a vendedora poderia ter deixado de vender um colar e um par de sapatos, gerando menos resultado. Entretanto, a mulher que comprou o conjunto pode vir a se ver privada de satisfazer uma necessidade mais prioritária em breve, lembrando-se que poderia ter aberto mão dos itens para os quais tinha alternativas menos onerosas. Caso a compradora ligue sua frustração futura à capacidade de influência da vendedora, poderá ficar chateada e não voltar mais à loja. Porém, até isto é muito improvável! O que acontece na maioria das vezes é a própria consumidora se autocriticar e continuar vivendo a mesma situação periodicamente.
                No ponto de vista da loja e do crescimento o negócio, não há argumento contra. É possível provar matematicamente isto. Manipular o cliente até certo ponto dá lucro e não influi significativamente em perda de participação de mercado. Entretanto, a crítica cabe em outro nível: “O da sociedade como um todo”. Se todos os vendedores de todos os negócios possíveis se preocuparem em ajudar os clientes a compreender e classificar suas respectivas necessidades, estes vão ser mais precisos no uso de seus recursos para obter exatamente aquilo que precisam. Isto significa que todos indistintamente ficarão mais satisfeitos, lembrando que quem vende também é comprador.
                É absolutamente impraticável este comportamento ser executado espontaneamente por um negócio que se executa em um mercado competitivo. A forma mais adequada seria uma regulamentação apropriada das práticas de negócio pelo próprio governo. Porém, isto seria também deveras complexo. Não haveria leis que resolvessem ou mesmo que pudessem ser fiscalizadas diretamente em seus cumprimentos para garantir que o comprador não seja manipulado. A proposta então a dar seria outra. Uma que sempre ganha adeptos no Brasil: investir em educação. Não significa alocar verbas simplesmente. O objetivo a alcançar seria prover o “consumidor” de competências individuais que lhe permitissem contraconduzir a manipulação que lhe fosse tentada. Significa instruir o consumidor a questionar e, melhor ainda, a “se” questionar.
Em um ambiente mercadológico no qual todos que consomem são conscientes no nível idealizado aqui, os próprios negócios serão obrigados a mudar a forma como se dão. A mulher solteira de trinta e dois anos começaria perguntando à vendedora “por que eu preciso desse sapato?”, “ajudando-a a ajudar” sua cliente, não a realizar uma venda simplesmente. Quem sabe também, um homem de negócios com a pele cor de laranja não precisasse ir ao médico para ser informado de que sua esposa estaria lhe traindo.